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Miguel Flores define o seu estilo a solo como fadogaze — uma guitarra triste que é deturpada por pedaleira. Lenhador de serviço em bandas de rock afoito, apresenta o primeiro álbum a solo, “Tudo o que me aleijou era bonito”, no Maus Hábitos no dia 20 de fevereiro — a tempo de apanhar as flores secas do Dia de São Valentim. Fomos falar com ele sobre a melancolia da portugalidade num recomendável tasco portuense.
Porque é que estamos a falar contigo rodeados de presuntos?
Esta é a minha segunda casa. O álbum chama-se “Tudo o que me aleijou era bonito”, e era aqui que eu vinha afogar as mágoas daquilo que me tinha aleijado.
Vamos voltar ao início. Como é que começou a tua relação com a música?
Eu não tinha nenhum músico na família, mas o meu pai comprava daquelas coletâneas de blues, daquelas que se vendem numa bomba de gasolina, e eu comecei a vidrar-me na guitarra. Tive a cena de puto mimado de os meus pais me oferecerem uma guitarra e algumas aulas, mas só estive ali a fazer o meu professor perder tempo.
Não foi nessa altura que entraste a sério, então?
Nessa altura, nada a sério. Depois disso, entrei na faculdade, e usava a guitarra mais para tentar engatar alguém. Foi preciso chegar a uma vida com mais estabilidade para começar a olhar para a guitarra mais a sério. Ter uma relação com alguém que é pianista também me ajudou a olhar para composição com mais atenção. E foi aí também que mudei um pouco a forma de pensar: em vez de começar por aprender a tocar bem e só depois fazer música, comecei a fazer música para começar a tocar melhor.
© Rui Meireles
© Rui Meireles
Esse também é o imediatismo que está nos blues…
Exato. Comecei logo a adotar a atitude da falácia do atirador do Texas. Primeiro disparo, e depois desenho o alvo à volta do sítio onde os disparos acertaram. Portanto, já nesta fase da vida mais estável em que pago contas, comecei a tocar com uns colegas do emprego em jams em que tocávamos covers para nós. Depois disso, formei bandas como os Alina ou os Leo the Painter. No contexto dessas bandas houve sempre aquela magia de pegarem nas tuas ideias e transformarem-nas, mas fica sempre um sentimento que não era bem para ali que eu queria levar.
O que acabam por tocar não era o que tinhas imaginado.
Exato. Às vezes até fica mais bonito, mas não era bem para ali que eu queria levar aquela ideia. E eu ter começado um projeto a solo em simultâneo com um projeto de banda foi o ideal, porque solto tudo o que tenho cá dentro no trabalho a solo, e vou para o projeto da banda perfeitamente realizado, e livre de ver para que espaços a banda quer ir. Agora estamos em pleno inverno, mas sinto que criativamente estou na primavera.
Mas olhando para o nome do álbum, teve de acontecer um inverno antes de se dar esta primavera.
O ano que passou foi rico em acontecimentos tristes. Sou um tipo profundamente romântico, e no último ano tive o fim de uma relação que foi muito intenso, uma coisa de novela mexicana. E a seguir a isso tive de aprender a voltar a ser solteiro, o que hoje em dia também é uma tristeza. Mas no fundo, não deixo de ter noção que todo isto soa a um chavalo suburbano de classe média a ser excessivamente dramático. Não me aconteceram catástrofes, só coisas tristes.
E consegues explicar-nos o que é o fadogaze?
Isso é uma piada sobre o pedantismo de nenhum artista achar que há um género que o defina, e tem sempre que criar um novo. É fado porque sou eu e uma guitarra a cantar coisas tristes, e tem algo de shoegaze porque, com as pedaleira, tento evocar aquelas paredes de som de Slowdive ou Swans.
© Rui Meireles
E para o concerto no Maus Hábitos, o que se pode esperar?
Originalmente eu tinha pensado que os concertos de Flores iriam ser apenas trios. Mas a fazer o álbum estiquei-me um pouco nas guitarras, e há coisas que eu não vou conseguir fazer sozinho em palco. Portanto vamos ser duas guitarras, uma bateria e um teclista para ir espalhando umas "fadinhas".
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