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São João 2024
São João do Porto de A a Z com Germano Silva
Tradições e símbolos que fazem desta festa uma experiência única
São João do Porto de A a Z com Germano Silva

O São João do Porto é uma das festas populares mais emblemáticas do país, celebrada com grande fervor na noite de 23 para 24 de junho, e que une a cidade numa festa de alegria e comunhão. Com raízes pagãs, estas festividades assinalavam o solstício de verão – o dia mais longo do ano – estando associadas à fertilidade, às colheitas e à abundância, e foram incorporadas, pela Igreja Católica, nas celebrações em honra de São João Baptista (que terá nascido a 24 de junho do início do século I, sendo contemporâneo de Jesus Cristo). No Porto, há registos de que esta festa é celebrada desde o século XIV.

“Nós não sabemos desde quando é que o São João se celebra aqui; a referência mais antiga é de Fernão Lopes, no século XIV”, afirma o jornalista Germano Silva, mas ressalva que “há uma cantiga que diz qualquer coisa como até os moiros de Moirama festejavam o São João; portanto, é possível que seja muito mais antigo”.


Para este histórico jornalista e amante da cidade, o São João é hoje “uma festa democrática porque é uma noite em que não há distinção de classes. Ninguém sabe em quem bate com o martelinho. A gente vem para a rua e festeja saudando-se democraticamente uns aos outros, batendo com o alho-porro, com o martelinho, às vezes com a cidreira.” Segundo Germano, “a riqueza” do São João reside em “ser do povo”, frisando que esta festa “transmite o sentimento de liberdade que as pessoas têm de andar uma noite inteira a saudar-se mutuamente”.


Foi precisamente com a ajuda deste profundo conhecedor da história da cidade do Porto que criámos uma espécie de compêndio, “São João do Porto de A a Z”, que pretende oferecer uma visão abrangente de tradições e símbolos que fazem desta festa uma experiência única. Ao longo dos tempos, algumas práticas evoluíram, mas a sua essência permanece imutável.

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© DR

Vê aqui o vídeo que gravamos com o Germano Silva, e lê mais abaixo sobre os elementos que constituem esta festa única.

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© DR

Alho-porro: Antigamente, era um símbolo importante na noite de São João. “No século XIX, havia na cidade muitos terrenos onde o alho-porro crescia a esmo, e as pessoas passavam e colhiam-no”, conta. Era usado nas ruas, onde os foliões se saudavam amigavelmente batendo uns nos outros com ele, “um gesto fraterno que simbolizava proteção e boa sorte”. Depois, as pessoas penduravam-no na parede principal da casa para afastar o mau-olhado.


Anho: A tradição culinária do São João incluía o consumo de anho (cordeiro) ou de carneiro assado. Nos bairros, quem não tinha forno levava o anho às padarias locais para ser assado numa pingadeira (“que se costumava comprar nas festas da Senhora da Hora”). “Eu sou do tempo em que os carneiros vinham em camionetas e eram mortos ali, junto ao rio, e quem tinha posses comprava um carneiro inteiro”, conta Germano. Segundo ele, antes de sair a rusga, à meia-noite, as pessoas entregavam as peças de carne nas padarias para serem assadas durante a noite e depois iam buscá-las na manhã seguinte. O anho, acompanhado com batatas assadas e arroz de forno, era a refeição festiva do almoço de São João. Havia, ainda, a tradição de à meia-noite de 24 de junho se beber café e comer pão quente com manteiga.

Arraial: Os arraiais são festas ao ar livre, com bailaricos, que ocorrem em diversos bairros do Porto e onde a comunidade se reúne para dançar, comer e celebrar, reforçando o caráter inclusivo e democrático desta festa. São mais de quatro dezenas de arraiais que, a partir da segunda quinzena de junho, acontecem um pouco por todas as freguesias da cidade.


Balão de São João: O lançamento de balões de papel é uma tradição antiga que, tal como a fogueira, simboliza o culto ao sol e celebra o solstício de verão com o fogo, um elemento da natureza. Germano conta que na Ilha do Cruzinho, onde vivia, eram as crianças que faziam o balão de São João. “Comprávamos o papel, o arame, a mecha e preparávamos o balão, assim como os bambolins para enfeitar a ilha.” – O Porto ganhou, em 2017, mais um construtor de balões de papel que tem partilhado a sua arte em várias oficinas de balões de São João.

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© DR

Cascata: A tradição das cascatas de São João terá nascido no séc. XVIII e inspira-se no presépio. São pequenas representações de cenas do quotidiano e de figuras religiosas, recriando a vida numa aldeia durante o São João, e que, além das casinhas, incluem sempre “personagens típicas” e elementos como rios e pontes “porque representam um elo”, diz o jornalista.


“É o cerimonial do São João: há o homem do balão, o pescador, que está à beira do rio a pescar, a leiteira – que se dizia que adulterava o leite urinando nele, há o cagão, que está sempre atrás da capela…; portanto, há essas figuras todas e, em cima, no trono, a figura do São João a presidir a toda aquela azáfama.” O jornalista conta que, “inicialmente, as cascatas eram feitas por miúdos na rua, às vezes, com figurinhas de barro construídas por oleiros de Avintes, mas também das Taipas; na Rua da Assunção, havia oficinas de oleiros que as faziam e vendiam”, refere, acrescentando que também o escultor gaiense Teixeira Lopes chegou a fazer figuras para as cascatas.


De 12 a 30 de junho, vai ser possível visitar a exposição da Cascata Comunitária de São João, no Mercado do Bolhão, que resulta de um trabalho feito a muitas mãos por diferentes gerações em várias oficinas a decorrer em distintos espaços e datas.

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© Rui Meireles

Cravo: “Antigamente, a rapariga colhia um cravo antes de nascer o sol no dia 23 de junho, portanto, antes da noite de São João, atirava-o pela janela para a rua e ficava à espreita. O primeiro rapaz que passasse, se se baixasse e o apanhasse, queria dizer que ela ia casar dentro de pouco tempo. Se o rapaz passasse indiferente ao cravo, a coisa ia demorar mais tempo”, conta Germano.


Douro: As pessoas que se banhavam no rio Douro, antes de nascer do sol, “apanhavam as orvalhas, o orvalhado do São João, e ficavam imunes a doenças durante um ano”, conta Germano. “Com o tempo as coisas foram-se alterando, e, no princípio do século XIX, começou-se o costume de ir tomar banhos ao mar; então, as banheiras da praia de Ourigo diziam que os banhos se fossem no mar, antes de nascer do sol, protegiam de doenças não por um ano, mas por cinco anos”. E acrescenta, a rir: “Já era o marketing a funcionar!”


Farturas (e outras lambarices): Este ano, de 7 a 30 de junho, os divertimentos e rulotes de farturas estarão estrategicamente localizados. A Alameda das Fontainhas continua a receber a maior concentração, ficando acessível a todos os que mantêm as suas celebrações na Baixa. Já para lá da Ponte da Arrábida, o Jardim do Cálem vai ser também local de quem precisa de uma paragem para boas calorias. Por fim, quase a chegar à Foz, o Passeio Alegre terá, também, comida de rua para refazer quem anda em noites longas.

Fogo de artifício: O espetáculo pirotécnico à meia-noite é um dos momentos mais aguardados do São João, iluminando os céus do Porto e Gaia, e refletindo-se nas águas do rio Douro. Há sempre grandes disputas sobre qual o melhor local de onde ver o fogo, por isso não quisemos ficar de fora do jogo das sugestões. Para uma perspetiva tradicional, mas concorrida, sugerimos o Miradouro de São Bento da Vitória. Para algo mais fora do caminho, o Túnel da Alfândega mostra a outra face do fogo, e presta-se a fazer a ponte entre as festas de Campanhã e as das Fontainhas. Por fim, e para quem gosta de sentir o fogo de perto – na esplanada do Guindalense quase é necessário ver o fogo com óculos escuros, embora não permita captar a ação mais junto ao rio.


Fogueira: Saltar sobre a fogueira é um ritual de purificação e sorte, e os namorados costumavam saltar juntos. Germano Silva explica que, historicamente, as fogueiras eram uma forma de agradecer aos elementos da natureza pela fertilidade da terra.


Fontainhas, a meca do São João: As Fontainhas, durante muito tempo, eram a meca do São João do Porto; era obrigatório vir. Embora o São João das Fontainhas não seja muito antigo, é dos meados do século XIX”, refere Germano. Segundo o historiador, um morador resolveu um dia fazer uma cascata apenas com dois elementos, a figura de Jesus Cristo e a de São João Baptista em tamanho natural. “É a cena do batismo, nas margens do Rio Jordão, e esse senhor oferecia, a quem fosse visitar a cascata, café e arroz-doce, e começou a tornar-se uma visita quase obrigatória.” E recorda: “No meu tempo de rapaz, ia-se às Fontainhas e depois descia-se até a beira-rio para tomar o tal banho antes de nascer do sol para se ficar imune a doenças durante um ano.”

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© DR

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© DR

Manjerico: Planta aromática que os namorados ofereciam entre si. Esta prática era uma forma de expressar sentimentos amorosos. “Os rapazes e as raparigas entregavam manjericos juntamente com uma mensagem amorosa que, inicialmente, era transmitida oralmente. Agora, põe-se uma bandeirinha com uma quadra”, conta Germano, recordando, a propósito, o concurso das Quadras de São João do “Jornal de Notícias”, que acontece desde 1929, e que começou por iniciativa do jornalista Álvaro Machado.


A Agenda Porto foi conhecer um dos maiores produtores de manjericos do país, cujos terrenos ficam já aqui ao lado, em Pedrouços, na Maia, lê a reportagem aqui.

 

Martelo: Introduzido na década de 1960, o martelo colorido de plástico começou por ser um brinquedo para crianças, depois passou a ser um brinquedo para estudantes universitários até se tornar um símbolo do São João, substituindo gradualmente o alho-porro, apesar de alguma resistência inicial por parte de conservadores. “Os estudantes encomendaram à fábrica de plásticos Estrela do Paraíso, que ficava perto da Lapa, um objeto que fizesse barulho para ser usado na Queima das Fitas”, recorda. Manuel António Boaventura, assim se chamava o empresário, acrescentou à sua criação, já barulhenta, um assobio na ponta. “Os estudantes gostaram daquilo e ele vendeu muitos durante o mês de maio, mas sobraram-lhe alguns sacos e ele foi vendê-los pelo São João. Foi um sucesso! Os martelinhos pegaram!”


Contudo, houve quem torcesse o nariz ao pim pim pim dos martelos e reclamasse o regresso do alho-porro. Em 1970, “uma elite mais conservadora, que queria o São João tradicional”, pediu à Câmara Municipal do Porto para acabar com os martelos, e o autarca então em funções também considerava que os ditos iam contra as tradições sanjoaninas. “Houve abaixo-assinados e o caso passou para o Governo Civil”, que proibiu o uso do brinquedo pelo São João e aplicou multas de 70 escudos a quem não cumprisse. Entretanto, o empresário Manuel Boaventura insiste em comercializar os martelos e recorre à justiça. As audiências arrastaram-se por três anos até que, em 1973, o Supremo Tribunal de Justiça lhe dá razão, e os martelos regressam à festa.

Pimba: A música pimba, com suas letras simples e “orelhudas” e ritmos contagiantes, domina as celebrações de São João em arraiais e bailaricos criando uma atmosfera alegre e festiva. Confere na programação sanjoanina aonde vais poder dar um pezinho de dança.


Rusgas: As rusgas são desfiles informais onde grupos de pessoas percorrem as ruas cantando, dançando e tocando instrumentos. Germano Silva descreve-as como “formações espontâneas”, refletindo o espírito comunitário e a alegria coletiva do São João. A este propósito, partilha as suas memórias de infância na Ilha do Cruzinho. “Havia uma Comissão de Festas que, durante o ano, ia preparando o São João. Não era fácil porque não havia dinheiro, e era preciso comprar o papel para fazer os balões e os bambolins. Por isso, os rapazes andavam à procura de ferro, de arames, que iam vender aos sucateiros, e esse dinheiro revertia para a Comissão de Festas.”


Chegada à noite de São João formava-se a rusga: “Não havia instrumentos, a não ser um cavaquinho. O resto eram tachos, panelas, e era barulho, mais do que música, era muito barulho”, ri-se. “A rusga saía com um ramalho, [um ramo de] carvalho, e um balão, que tinha uma vela dentro, e que acabava por cair.” Hoje, as rusgas fazem parte do programa oficinal do São João do Porto. Este ano, o desfile com as sete freguesias do concelho, que começa em Santa Catarina e vai até à Praça Humberto Delgado, realiza-se na noite de 22 junho. É em frente à Câmara Municipal que os fregueses vão atuar, perante um júri, e vão “despicar-se” para mostrar qual a freguesia que rusga melhor.

São João do Porto de A a Z com Germano Silva

© Andreia Merca

Sardinha: Nenhuma celebração de São João está completa sem sardinhas assadas na brasa. O cheiro das sardinhas, que são servidas com broa, e empurradas com copos de vinho, atravessa as ruas do Porto nesta noite festiva. Este petisco foi o mote para a Agenda Porto ir ao encontro de quem vai ao mar pescá-las para que as possamos ter à nossa mesa.

por Gina Macedo

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