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São João 2024
São João, dá cá um balão para eu brincar
Luciano Britto Gomes — mestre baloeiro
São João, dá cá um balão para eu brincar

“O São João foi uma das surpresas mais emocionantes que já tive no Porto. Não imaginava que fosse tão grande e tão bonito. E aqueles milhares de balões no céu, foi emocionante [de ver]! Não posso falar muito senão choro”, diz, visivelmente emocionado, este mestre baloeiro, que assegura que este é “o maior São João do mundo”. 


Um dos momentos altos da noite de São João é quando o céu se ilumina com centenas de balões de ar quente coloridos. Fomos conhecer um artesão que se dedica a construir estes objetos que nos deixam, de sorriso embevecido, com a cabeça no ar.

Para Luciano Britto Gomes, os balões são uma espécie de telas que gosta de exibir a céu aberto diante dos olhos de toda a gente.


Há paixões que não se conseguem contrariar. É o caso da paixão de Luciano pela construção artesanal de balões de São João, feitos de papel de seda e de bambu. Nascido no Rio de Janeiro, este mestre baloeiro não sabe precisar o momento em que se deixou encantar pelos balões coloridos que sobem nos céus, mas desde criança, assegura, “já cortava e colava papel para ajudar os irmãos”. “Sou apaixonado por balão desde que nasci. Meu pai já fazia balões e meus irmãos também. No Brasil, era costume lançar balões, sobretudo, entre maio e junho, antecipando as festas juninas”, conta. Quando tinha 12 anos, Luciano informou o pai de que queria fazer dos balões a sua vida. “Falei que queria ser baloeiro e o meu pai achou que era um absurdo; fiquei meio sem rumo, sem saber o caminho a seguir.” Acabou por se formar em Educação Física e foi dar aulas, “mas a paixão era sempre o balão”, e nunca deixou de os contruir.


Em fevereiro de 1998, é publicada uma lei no Brasil que criminaliza “o fabrico, a venda, o transporte e o lançamento de balões”, devido ao risco de incêndios, e que veio abalar os sonhos de Luciano. Mas o lançamento de balões “está muito enraizado” na cultura brasileira, “e a paixão é uma coisa complicada; não dá para se desenvencilhar assim tão fácil”, confessa-nos, com um sorriso pueril. Por isso, continuou a construir e a lançar balões até ao nascimento do seu filho Guilherme, em 2008. A partir daí, começou a pensar em formas de manter viva a sua paixão sem infringir a lei. Decidiu, então, construir balões infláveis, recorrendo a ventoinhas, para serem expostos em locais públicos “e sem grandes pretensões de ter retorno [financeiro]”. “Eu só queria continuar a fazer a minha arte”, desabafa.

São João, dá cá um balão para eu brincar

© Rui Meireles

Em 2012, e apesar das dificuldades em obter as autorizações necessárias, fez a sua primeira exposição, que acabou por mudar a sua vida. “Logo depois, recebi um convite para fazer um trabalho cenográfico e, pouco a pouco, fui conhecendo várias pessoas e conseguindo mais trabalhos.” Nessa altura, conheceu o artista plástico Paulo Paes, “que nunca tinha lançado balões”, mas cuja obra se “apropria” das bases técnicas desta arte, e cria objetos infláveis feitos em papel de seda. Paes convida-o, então, para trabalhar nalgumas exposições no Brasil e, um ano depois, em 2013, no Porto. Luciano aceita acompanhá-lo.

São João, dá cá um balão para eu brincar

© Rui Meireles

O artista plástico brasileiro tinha sido convidado pelo Maus Hábitos para fazer a exposição Pneumática, cujas esculturas insufláveis se inspiravam nos balões de papel e na sua importância na memória coletiva de portugueses e brasileiros, no âmbito do projeto São João Baloeiro, promovido em parceria com a Câmara Municipal do Porto, e que incluía, também, oficinas e largadas de balões sanjoaninos.


Este projeto havia de se repetir em 2015 e 2016, fazendo nascer em Luciano a vontade de se mudar para este lado do Atlântico. Também em 2017, o projeto estava previsto realizar-se, “mas, dois dias antes, foi interrompido” devido às proibições impostas pelo Governo na sequência dos grandes incêndios de Pedrógão Grande. Foi precisamente nesse ano que Luciano se havia mudado para o Porto com a família. O cancelamento do projeto abalou-o, mas não quis voltar atrás, e atirou-se a todos os trabalhos que pôde para pagar as contas. Sete anos depois, concilia a sua paixão pela arte baloeira com um trabalho no ateliê de cerâmica de Joaquim Pombal, em Leça do Balio. “Trabalho 10 meses por ano e deixo dois meses para o São João”, conta. Nesta altura, não tem mãos a medir com “grandes encomendas”.


De diversos formatos, padrões, desenhos e cores, todos os anos saem das mãos do mestre Luciano dezenas de balões. Muitos deles não terão como destino os céus; ficarão em exposição em espaços públicos. São balões com dimensões consideráveis, com seis metros de altura, e que correspondem a “uma semana inteira de trabalho”.

A arte do balão de São João


Papel de seda ou de bambu, tesoura, cola, arame para fazer a “boca de ouro”, ou seja, o aro, mecha (ou bucha), feita de algodão e parafina (que é “cozinhada” numa panela, para derreter). Eis os materiais necessários para construir um balão de ar quente. Somam-se a isto a imaginação, o engenho e a paciência, muita paciência.


A fogueira, o manjerico, a sardinha ou o balão são alguns dos motivos alusivos com que vemos Luciano decorar os balões de São João, além das figuras geométricas, por que tem preferência. “Tem de ser muito maluco, tem de ser apaixonado porque vai ficar cortando, vazando [furando]”, diz, a rir. São verdadeiras obras de arte que lhe saem das mãos.

Sobe, sobe, balão sobe


Se os balões de ar quente mais pequenos são capazes de voar até aos 500 metros de altura, já os balões grandes podem voar até aos 10 mil metros. Mas nem todos têm o céu como destino: no caso dos balões para exposição, Luciano utiliza, primeiro, papel branco, de 30 gramas, “um papel mais resistente”, e depois, em papel de seda, vai acrescentando a decoração através da técnica de corte e de colagem.


O maior balão que “ajudou a construir” – faz questão de ressalvar que é um trabalho coletivo – tinha 24 metros de altura. No Rio de Janeiro, estava habituado a construir balões “com mais 20 ou 30 pessoas”. “São muitos meses de trabalho, mas são meses de convívio.” Aqui, o seu trabalho é mais solitário. “É muito longo este processo, e tenho de desenvolver métodos de produção para ser rápido porque sozinho é muito difícil”, admite.


Este mestre baloeiro tem vindo, também, a realizar oficinas de construção de balões de ar quente, em parceria com várias entidades, para transmitir o conhecimento e manter viva a tradição, além de oficinas de brinquedos de papel, como as que acontecem no âmbito da Festa da Criança, nos Jardins do Palácio (consulta o programa no site da Ágora – Cultura e Desporto do Porto).


Questionado sobre se lhe custa desfazer-se dos balões que constrói, Luciano assegura que não porque “foram feitos para voar”. “O destino do balão é esse: voar. Quando voa, está completa a missão”, conclui.

São João, dá cá um balão para eu brincar

© Rui Meireles

por Gina Macedo

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