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Novos respigadores do Porto
Reportagem JAN: Novos respigadores do Porto

O que é que um ex-jornalista com uma oficina de bicicletas tem que ver com uma arquiteta que começou a fazer joias com materiais reciclados? O que é que uma designer que faz instalações com “lixo” tem que ver com uma arquiteta que recupera móveis e objetos antigos? O que é que um casal de recoletores de ervas daninhas tem que ver com projetos de hortas comunitárias?


Fomos à procura de pessoas que vivem no Porto e criaram projetos que as fazem felizes, pondo em prática os princípios da economia circular e contribuindo para uma cidade mais sustentável. 


Se, no campo, respigar quer dizer “apanhar as espigas que ficaram por colher”, na cidade pode querer dizer “aproveitar o que outros deixaram para trás”. Foi o que a cineasta Agnès Varda nos mostrou no seu filme Os Respigadores e a Respigadora (2000). Aqui, também mostramos alguns exemplos de respigadores contemporâneos da cidade do Porto.

O ciclismo urbano é uma tendência que tem crescido no Porto. O uso da bicicleta como meio de transporte é uma solução eficaz, económica e não poluente que pode melhorar a qualidade de vida na cidade. É o que defende o ativista e ciclista João Cruz.

João está no pelotão da frente na recuperação de “biclas” usadas 


“Querida bicicleta, não te chamarei velocípede.” É assim que o escritor e dramaturgo irlandês Samuel Beckett inicia o texto que é uma declaração de amor a esta invenção de duas rodas. Se para o escritor a palavra “velocípede” era demasiado feia, o termo não incomoda João Cruz, que chamou Velurb — quer dizer “velocípede urbano” — à sua loja de bicicletas. 


É no número 207 da Rua de Fernandes Tomás que encontramos a loja que também é — isto é que interessa ao caso — um espaço onde velhas bicicletas são recuperadas para serem entregues a novos donos. 


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© Rui Meireles

É por entre dezenas de bicicletas que vamos dar com João a conversar com um cliente. Recebe-nos com as mãos sujas de óleo, mas de sorriso límpido. Diz que quer contribuir para que haja cada vez mais ciclistas a pedalar diariamente na cidade do Porto. Não se trata apenas de fintar o trânsito ou de diminuir a pegada ecológica. É uma questão ambiental, mas também “uma questão económica”. 

João, que já foi, entre outros ofícios, jornalista e carteiro, considera-se um “ativista da bicicleta”. A crença de que o uso da bicicleta traria benefícios à cidade e a vontade de criar o seu próprio negócio levaram-no, em dezembro de 2014, a abrir a Velurb. “Criar soluções práticas para as pessoas utilizarem este veículo no dia a dia é, também, uma forma de fazer ativismo.”

“Criar soluções práticas para as pessoas utilizarem este veículo no dia a dia é, também, uma forma de fazer ativismo.”

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© Rui Meireles

Os érres da economia circular: recuperação e reutilização 


Pelas mãos de João já passaram centenas de bicicletas básicas que são recuperadas e convertidas em bicicletas utilitárias, “obedecendo aos princípios de conforto e segurança”.


“Costumo dizer que os portugueses são ‘campeões de bicicletas de arrecadação’; compramos bicicletas sem qualidade e depois não usamos porque não temos boas experiências de utilização. O meu objetivo, também, é melhorar essas bicicletas, e acabo por recuperar muitas; o que elas têm de fraco, eu torno bom”, afiança João. E garante: “Com pouco investimento é possível recuperar uma bicicleta utilitária.”


E quando não é possível salvar uma “bicla”? A Velurb apoia projetos de upcycling, ou seja, cede peças não recuperáveis, ou descartadas, ampliando o seu ciclo de utilização, com aplicações artísticas ou funcionais.

Voltemos às bicicletas que João recupera, são estas que se transformam em soluções económicas (a partir de 75 euros) para muitos dos seus clientes. A maior parte são estudantes estrangeiros que vêm de “culturas cicláveis”. A ideia de reutilizar e reciclar bicicletas não surgiu de imediato, mas começou a ser visitado pela comunidade académica, que “se sentia muito desapoiada no acesso a soluções de mobilidade económica”.


“Os clientes foram aparecendo, sobretudo estudantes que chegavam à cidade e encontravam um mercado de usados de má qualidade, e as próprias lojas não os apoiavam com soluções compatíveis com as suas carteiras”. 


João quis colmatar essa necessidade através de “um sistema acessível”, “muito assente na reutilização”, mas “cumprindo os objetivos básicos de segurança, conforto e fiabilidade – é isto que mantém as pessoas a pedalar”. 

Além do serviço de aluguer de bicicletas urbanas, de estrada, montanha ou trekking, a Velurb promove passeios fora da cidade com diferentes níveis de dificuldade. “O Porto é muito rico em recursos para a prática de bicicleta de montanha”, afirma João. Os passeios de “bicla” pelas margens do rio Febros, um dos afluentes do rio Douro, até aos Moinhos de Jancido ou até Santiago de Compostela são algumas propostas. Mais informação no site da Velurb.

No que toca à clientela, os alemães são os campeões entre a comunidade académica, mas aparecem, também, belgas, franceses e noruegueses. “Houve uma grande movimentação em torno das bicicletas económicas”, diz, adiantando que, no Porto, “os ucranianos, a par dos brasileiros, são os grandes utilizadores [da bicicleta utilitária]”. 


Foi a trabalhar com “orçamentos curtos” que João conseguiu dar nova vida a muitas bicicletas e mobilizar muitos utilizadores. Em nove anos, entregou mais de 1.200 bicicletas, quase todas recuperadas. A somar a estas tantas está a nova bicicleta de Odanis. A nossa conversa foi interrompida por esta estudante cubana, recém-chegada ao Porto, que procurava uma bicicleta utilitária económica. A cidade acaba de ganhar mais uma ciclista. 


por Gina Macedo

O projeto CICLO foi criado pela arquiteta portuense Paula Petiz com a finalidade de conceber e executar acessórios de moda a partir da reciclagem de objetos e materiais descartáveis, reaproveitando desperdícios e excedentes de produção. Num processo contínuo de experimentação, cada peça acabada é sinónimo de uma ‘nova vida’ para materiais em fim de ciclo. 

Quando o ouro e a prata dão lugar a materiais improváveis 


Após vários anos a trabalhar como arquiteta por conta própria e depois como docente e investigadora na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, Paula inicia, em 2018, um novo ciclo na sua vida com a descoberta da joalharia.


O ponto de partida foi um workshop na ALQUIMIA-Lab - Escola de Joalharia, no Porto, onde executou “com grande prazer” uma peça de latão que vemos exposta no seu atelier. Percebeu, na altura, que não queria continuar a aprendizagem com os metais nobres. É quando surge a questão: “Por que não iniciar um projeto de joalharia contemporânea usando outros materiais?”


“Movia-me a ideia da reciclagem associada à sustentabilidade, o que me levou a orientar mais o olhar para muitos dos objetos que se descartam no quotidiano e a pensar nas suas potencialidades”, conta, enquanto mostra os materiais que utiliza na criação das suas peças, arrumados criteriosamente em muitas caixinhas.

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© Rui Meireles


Começou, então, a colecionar objetos de uso doméstico, como copos de iogurtes, tampas de metal ou plástico, palhinhas e tubos de plástico, ou mesmo cacos de utensílios quebrados, e outros, muitas vezes, com o contributo de amigos que aderiram à ideia. Em paralelo, foi fazendo contactos com fábricas, que passou a visitar para escolher e recolher outros materiais.   


Durante cerca de um ano, a elaboração das peças implicou investigação e exploração de técnicas. Durante este tempo de “laboratório criativo, a testar o que resulta e o que não resulta”, foi preciso identificar comportamentos de materiais, expostos ao calor ou ao frio, e a química das junções. “Foram testes essenciais”, frisa, e admite que “ficava inquieta só de pensar que qualquer peça, depois de adquirida, se pudesse portar mal”.

Foi preciso identificar comportamentos de materiais, expostos ao calor ou ao frio, e a química das junções.

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© Rui Meireles

“Essa fase inicial alimenta a criatividade e entusiasma-me para elaborar pequenas séries de colares”, diz-nos à medida que vai girando, num busto, um colar da sua autoria e nos mostra cinco formas possíveis de o usar.


Paula assegura que cada peça é trabalhada “de forma singular, explorando sempre a possibilidade de ser usada de diferentes formas, num processo de experimentação contínua, e no sentido de potenciar a reinvenção e a apropriação das peças por quem as vai usar”. 


O lixo pode ser luxo

Há quem veja lixo, há quem veja uma joia contemporânea. O valor atribuído a uma peça de joalharia pode não estar associado ao valor dos materiais com que é executada. “O que é feito com ouro terá sempre valor pelo metal precioso, com valor de mercado; o que não é de ouro poderá ter valor por ser entendido como arte”. 

Quando alguém adquire este tipo de joias, com conhecimento dos materiais que a compõem, é porque as identificam como objetos de arte e lhes atribuem valor. “Fixar um preço em função do baixo valor dos materiais pode corresponder a uma desvalorização do trabalho do artista e artesão, a uma desvalorização do ato de criar e executar”, defende, acrescentando que poderá contribuir para “o consumo compulsivo e formas de estar que se associam ao ‘usa, cansa e deita fora’”. “Penso que quem adquire uma destas joias é porque lhe atribui valor, para além do material. Será um consumo consciente”, sublinha.


As peças da CICLO, na sua maior parte, podem ser adquiridas na loja THE - Design e Moda, no número 446 da Avenida do Brasil, no Porto (ou na loja em Lisboa), onde se encontram peças intemporais de designers de todo o mundo, e se partilham preocupações de sustentabilidade. 


por Maria Bastos

É num dia de chuva que apanhamos o 600 e vamos bater à porta do número 32 da Rua de Silva Porto. À nossa espera está Patrícia Barbosa. Sentamo-nos à mesa de madeira maciça que pertenceu à sua avó e que foi uma espécie de tábua rasa, o princípio do projeto que coloca novamente em circulação mobiliário, peças decorativas e materiais arquitetónicos que recupera. 

Quando herdar a mobília da avó significa descobrir uma nova vocação


A Primeira Demão é a oficina, a loja e o estúdio da arquiteta Patrícia Barbosa, que herdou a mobília da avó e com ela descobriu uma nova vocação – a de recuperar e renovar móveis antigos. “Resolvi fazer disso o meu trabalho, mas acho que é um modo de vida; no fundo, é recuperar em vez de comprar peças novas”, diz-nos.


À nossa volta há móveis gastos pelo tempo, portas, janelas, portadas, molduras com muitos anos de vida, candeeiros antigos, fechaduras e coisas a pedir uma intervenção. São a matéria-prima de Patrícia. Trabalha, essencialmente, com peças de madeira e em ferro porque são “materiais duráveis”. “Os materiais mais fracos não compensam o restauro porque não vão durar tanto tempo.” 


Entre aquisições e doações, vai colecionando móveis e objetos a que dá uma nova vida. “As pessoas já me conhecem e se tiverem coisas que estão a pensar deitar ao lixo, chamam-me, perguntam se estou interessada e eu faço essa recolha”, conta. Também costuma contactar empreiteiros e agentes imobiliários que lhe indicam “casas que vão entrar em obras e onde possam existir objetos e elementos arquitetónicos para deitar fora”. 

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© Andreia Merca

“Gosto de alterar as peças e de descobrir novas possibilidades. Se percebo que uma determinada alteração vai melhorar a peça, aí entra o meu lado mais criativo e uma linguagem minha.”

O restauro de objetos e móveis antigos é uma forma de “valorizar peças com qualidade construtiva, bem desenhadas e que vão perdurar no tempo”. Desta forma, pretende “apelar ao consumo consciente” e encara os compradores como “os próximos cuidadores” das peças que recupera e renova.


Faz questão de vincar que não se limita a fazer recuperações ou reparações. Há, também, uma forte componente criativa no seu trabalho. “Gosto de alterar as peças e de descobrir novas possibilidades. Se percebo que uma determinada alteração vai melhorar a peça, aí entra o meu lado mais criativo e uma linguagem minha”, sustenta. São, aliás, estas peças que Patrícia utiliza no seu trabalho de decoração de interiores.

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© Andreia Merca

Neste campo, aponta como o projeto mais marcante da Primeira Demão a “Casa Verde”, da autoria da arquiteta Teresa Otto, em que Patrícia foi responsável pela decoração de interiores, recorrendo a muitas peças recuperadas e reinventadas por si. 


Já organizou, também, cursos de recuperação e reciclagem de móveis e de construção de brinquedos em madeira. Para já, não há nenhum agendado, mas não descarta a hipótese de voltar a promover este tipo de formações. “As pessoas quando põem as mãos na massa percebem que as coisas são um bocadinho mais difíceis e aí também valorizam mais a peça e o trabalho.”

“Algumas peças pedem uma alteração, vejo nelas possibilidades.”

Patrícia e o bichinho da madeira


A madeira é o seu elemento, mas tem concorrência. Um dos grandes desafios, admite, é a sua luta contra os xilófagos, os bichos da madeira. “Achas que já resolveste o problema, restauras uma peça e, afinal, eles continuam lá, resistentes”, lamenta. 


Criada em 2012, a Primeira Demão também tem resistido. Nos últimos tempos, Patrícia voltou a dedicar-se mais à arquitetura, porque “o trabalho tem surgido”, mas o seu objetivo é fazer “uma gestão integrada da arquitetura, da decoração de interiores e do trabalho de recuperação e restauro de móveis com a mesma linguagem”. 

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© Andreia Merca

Nascida no Porto, é aqui que quer continuar a viver. “Tenho uma relação muito próxima com a cidade, sinto que tem a escala ideal para o meu estilo de vida; não tenho carta de condução, ando muito a pé, faço quase tudo a pé. Sinto-me bem numa cidade que oferece tudo, mas que não é demasiado grande.”


Patrícia refere, ainda, que todos conseguimos, no dia a dia, mudar comportamentos que se traduzem em “pequenas diferenças” para a cidade, “nem que seja por separarmos o lixo ou por nos movimentarmos a pé, de bicicleta ou de transportes públicos”.


por Gina Macedo

1, 2, 3… vai nascer outra vez


Este bem podia ser o lema de Madalena Martins, que seleciona desperdícios de indústrias, de empresas e de museus e os transforma em arte. Aliar a sustentabilidade ao que é artístico pode parecer tarefa complicada, mas é este o trabalho da designer há mais de uma década.

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© Rui Meireles

Consciente do papel que o acaso teve neste projeto, Madalena ajuda-nos a recuar a 2011 e a uma parceria entre a Fundação de Serralves e a SuperBock. Por um lado, “o enorme excedente de telas, fruto das várias campanhas que a Unicer realizava; por outro, a necessidade de produzir uma peça personalizada no âmbito do Serralves em Festa”, conta-nos. A ideia era haver um objeto para oferecer ao público que fosse útil. E foi aí, sem que quase nada o fizesse prever, que a “almofada de rua” ganhou dimensão. Durante cerca de quatro meses, Madalena trabalhou com as telas, transformando 50 outdoors em 5000 almofadas de rua, com sete reclusos.


Esta é outra da vertente do trabalho desta designer gráfica: a componente social. É também em 2011 que tem início a parceria com os Estabelecimentos Prisionais do Norte de Portugal. Dos primeiros passos resultou de imediato “um trabalho muito interessante”. Madalena contou, desde início, com a colaboração de reclusos alfaiates, “o que permitiu explorar diferentes objetos e encontrar, em conjunto, as melhores soluções para cada situação”. 

Os reclusos acompanham o processo de reutilização dos materiais desde o início até ao fim e, por isso, sentem-se “muito envolvidos” no projeto. “A ideia pode ser minha, mas são eles que, pela experiência que têm ou que vão adquirindo, me ajudam a encontrar o melhor caminho para uma peça.” Madalena assegura que estes homens são essenciais para a concretização dos objetos. E, por vezes, até fazem exposições com as peças que constroem. 

“Quase todos os resíduos de desperdício podem ser pensados para serem outro objeto: caixas de medicamentos passam a ser cadernos e as telas passam a existir como sacos ou chapéus.”

Com mais de dez anos de experiência neste tipo de trabalho, Madalena acredita que “o importante está no olhar que temos sobre os materiais, já que mesmo quando estes chegam ao seu final de vida, continuam a ser interessantes”, sendo apenas necessário “alguma imaginação e criatividade para transformá-los noutras coisas, com a mesma dignidade e utilidade”.


O primeiro desafio é o de pensar na nova peça, que “tem de ser original e funcional, se não estamos a voltar a criar uma coisa que vai ser lixo”.


Mais recentemente, Madalena tomou consciência de que, apesar de haver um trabalho de reutilização e de reaproveitamento, no fim do processo “continua a haver muitos excedentes”. Assim, o objetivo passou a ser o da “reutilização total, antes de partir para a reciclagem”. “Um dia, também estes objetos irão para o lixo, mas pelo menos para já vão ter uma nova utilidade”, salienta. 


Ninguém duvidará que a reciclagem e a reutilização são processos muito trabalhosos, difíceis e caros. Da mesma forma que facilmente se percebem as vantagens de fazer arte com materiais novos e limpos. Mas a beleza está no processo, compreendendo que todos os objetos contam uma história e que, nesta “história”, isso é o mais importante. 

por Catarina Madruga

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© Rui Meireles

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© Alexandre Delmar

Maria João Ruivo é designer de comunicação e Alexandre Delmar é fotógrafo e videasta. Criaram o projeto A Recoletora para a Porto Design Biennale 2021. O objetivo? Mapear e dar a conhecer plantas silvestres comestíveis e livrá-las da fama de "daninhas”. Com este projeto, começaram a passar menos horas em frente ao computador e mais tempo em contacto com a natureza. Por isso, hoje são mais felizes.

Ervas daninhas ou plantas comestíveis?


“Sou uma erva daninha./ Nem princesa, nem rainha./ Não tenho eira nem beira./ Nem ninguém que me queira. (…)” O poema de Jorge Sousa Braga traduz o sentimento de muitos de nós sobre estas plantas que costumamos amaldiçoar. A Recoletora veio demonstrar que nem todas são terríveis e que muitas são para comer. 


Numa altura em que o mundo abrandou devido à pandemia, Maria e Alexandre aproveitaram para se dedicar a “um assunto que já andava a germinar” nas suas cabeças há muito tempo: as ervas daninhas, ou melhor, as plantas silvestres comestíveis. Por crescerem em lugares indesejados são chamadas daninhas, mas muitas delas são nutritivas e medicinais.

Gratuitas e abundantes, estão à distância de um passo e são constantemente ignoradas. Alguns exemplos apontados por Maria João são as urtigas, “que picam, mas que são super nutritivas”, o funcho, “que é doce e faz lembrar os rebuçados da tosse”, ou as capuchinhas, “que são picantes e têm uma flor muito bonita”.


“A avó do Alexandre vive numa pequena aldeia em Trás-os-Montes e tem muitos conhecimentos ligados a estas ervas; sabe apanhá-las e usá-las. O Alexandre nasceu [a conviver] com estes conhecimentos da avó, que talvez tenham sido a semente que nos levou ao tema”, conta.


Na altura, a proposta da Porto Design Biennale incidia sobre outras formas de caminharmos e nos relacionarmos com a cidade. O ponto de partida para criar o projeto A Recoletora foi “o reconhecimento destas plantas que despontam por todo o lado, que estão à nossa volta e a que não ligamos nenhuma”. 


Para começar, escolheram quatro terrenos de estudo, dois no Porto e dois em Matosinhos, onde encontraram mais de 60 espécies que se podem comer. “Foi um número muito revelador da potencialidade do projeto.”

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© Alexandre Delmar

"Que plantas são estas? Onde se podem encontrar? Como se identificam? Que partes se podem comer? Como se cozinham?"

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© Nuno Miguel Coelho

Só faltava fazer chegar a informação às pessoas. Criaram um site para identificar e descrever as plantas, com um arquivo de imagens e informações sobre cada espécie, que dá resposta às perguntas: Que plantas são estas? Onde se podem encontrar? Como se identificam? Que partes se podem comer? Como se cozinham?

Organizaram caminhadas guiadas com a herbalista Fernanda Botelho, que é “o grande pilar deste projeto e uma pessoa muito generosa na partilha de informação e conhecimentos”, workshops de culinária e, ainda, uma exposição de cartazes nas ruas do Porto e Matosinhos.

Depois da Porto Design Biennale, o projeto chegaria ao fim, mas o elevado interesse das pessoas, que escreviam a perguntar as datas das próximas atividades, levou-os a continuar o projeto.

O objetivo desta dupla de recoletores e dos restantes colaboradores do projeto é sensibilizar e chamar à atenção para estas plantas esquecidas. Maria diz-nos que “ainda há um grande trabalho de consciencialização para chegar às pessoas e dizer que estas ervas não são lixo”.

Em 2023, iniciaram uma parceria com o Museu do Porto. “Tem sido incrível! A programação inclui caminhadas e oficinas para miúdos e para adultos. Temos feito uma média de três atividades por mês, e isso tem-nos permitido fazer coisas que não conseguiríamos fazer sozinhos”, conclui. 


As inscrições são feitas a partir do website do Museu do Porto



por Maria Bastos

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© Rui Meireles

O que é que o Joaquim e o Antero têm em comum? Ambos têm uma horta na cidade do Porto. O motivo que os levou a concorrer a um talhão em hortas urbanas foi a vontade de consumirem alimentos mais saudáveis com controle sobre a sua origem.

Hortas Urbanas: Terreno de partilha de sementes e conhecimentos


Desengane-se quem pensa que uma horta é apenas um lugar de cultivo de alimentos. É um espaço de partilha e bem-estar – promove o convívio entre vizinhos e o sentido de pertença na comunidade. Mais do que uma fonte de alimento, ter uma horta é um antídoto contra o isolamento e um contributo para a saúde mental.


Quem vive num apartamento pode tentar a sua sorte e concorrer, gratuitamente, a um dos vários projetos de hortas urbanas existentes no Porto. Não é fácil, mas com um pouco de paciência é possível conseguir um lugar para cultivar os seus próprios alimentos e proporcionar à família uma alimentação mais saudável. No caso do projeto “Horta à Porta”, existem no Município do Porto 14 hortas com 517 talhões, e todos estão ocupados. Ou seja, há 517 famílias a cultivarem nestes espaços. E há 1108 pessoas inscritas a aguardarem por um pedaço de terra para cultivar.


Nestas hortas comunitárias os pesticidas não entram, a agricultura que se pratica é biológica. Entre plantar e colher é necessário perseverança e muito trabalho, além de alguns conhecimentos prévios de agricultura biológica. Mas há formações e troca de conhecimentos entre os horticultores, que se unem sempre que é necessário combater alguma praga sem recorrer a pesticidas ou quando é preciso regar a horta de um vizinho que não o possa fazer. 

“Crescem com vigor e muito sabor”

Entramos na Horta das Condominhas, em Lordelo do Ouro, uma das 14 hortas do projeto “Horta à Porta” do Município do Porto em parceria com a Lipor. Sentimos o cheiro a terra molhada e ouvimos o som da sachola a bater na terra. Falamos com Joaquim, um homem com o dom da palavra, em tempos jornalista e agora um apaixonado pela agricultura, dono de um talhão há mais de dois anos. “Eu e a minha mulher temos muito orgulho na nossa horta. Quando fazemos um assado, como temos a horta à porta de casa, vimos aqui buscar salsa fresquinha.”


Neste pedaço de terra há couve-galega, penca, acelga, nabos, cenouras, ervas aromáticas e flores. “Todos têm o seu lugar e desempenham um papel específico na horta”, sublinha Joaquim. Cada horta tem associado um composto orgânico onde são colocados os desperdícios que “são um dos adubos mais ricos em nutrientes”. Este horticultor diz que descobriu que os legumes “crescem com mais vigor quando estão mais perto do balde da compostagem por causa dos seus líquidos e vapores”.


Conversamos debaixo do alpendre onde Joaquim e os restantes hortelãos se juntam regularmente. “É naquela mesa que fazemos as nossas patuscadas e levamos os legumes, cheios de sabor, da terra para a mesa. Nestes convívios, falamos sobre tudo e mais alguma coisa – é uma belíssima forma de ocuparmos a cabeça.”

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© Rui Meireles

Noutro lado da cidade, descobrimos outra horta comunitária que pertence ao Espaço Musas. Chegamos ao número 996 da Rua do Bonjardim, subimos uma escadaria íngreme que nos leva à Quinta Musas da Fontinha. É um espaço sem aparato que “nasceu de um lugar cheio de lixo e entulho onde até televisões e pneus havia”. Depois de uma profunda limpeza e análise ao solo, “tem agora diversos talhões que alimentam as famílias do Alto da Fontinha”, diz Luís Chambel, Presidente da Associação do Espaço Musas.


Há partilha e troca de sementes entre os horticultores. A Associação do Espaço Musas tem um banco de sementes biológicas provenientes de associações como a “Colher para Semear” e “de familiares dos nossos hortelãos que vivem nas aldeias e que as cedem para dividirmos por todos”, conta.

Cada talhão tem o nome de um fruto, muitas vezes derivado das árvores que lá existem. Do “Figo” à “Ameixa”, paramos para observar o “Pêssego” — nome do espaço que Antero cuida há dois anos. Reformado há cinco, viu aqui “uma oportunidade de ocupar os tempos livres”. O que mais se cultiva? Hortícolas, tomates, morangos e flores. “Na primavera e no verão fica tudo mais bonito”, garante. 

O maior desafio para manter a horta viva passa por “combater a bicharada e as plantas invasoras. Para isso, usamos vinagre e outros produtos naturais, sem recorrer aos pesticidas”. Mas, afinal, qual é o maior segredo de todos? Consta que é a “paciência e o respeito pelos ciclos da natureza”.



por Maria Bastos

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© Rui Meireles

Gostavas de ter uma horta?


Clica aqui para te inscreveres no projeto “Horta à Porta”.

Clica aqui para te inscreveres na Quinta Musas da Fontinha.

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