PT
Conhecemos André Cepeda, fotógrafo e impressor, que inaugurou, em junho, o Blues Photography Studio na R. da Alegria, 416. O seu percurso profissional divide-se em dois universos distintos, mas complementares: o seu trabalho pessoal, profundamente introspetivo e poético, e a sua atividade no estúdio.
Aqui, além de ser um espaço dedicado à criação e produção fotográfica, André Cepeda desenvolve um papel crucial como impressor, colaborando com diversos artistas, galerias e curadores. A digitalização, tratamento de imagem e impressão de projetos de arte são algumas das vertentes em que este estúdio se destaca, um verdadeiro ponto de encontro entre a técnica e a sensibilidade artística. “No fundo eu sou um impressor, o termo mais clássico na tradição da fotografia que se refere a alguém que imprime fotografias para outros", define.
No entanto, é no seu trabalho autoral que André Cepeda se revela em toda a sua complexidade, num processo contínuo de descoberta, onde o silêncio e o tempo desempenham um papel fundamental. A sua fotografia caracteriza-se por uma busca constante por lugares nas cidades onde o tempo parece suspenso. Não há pressa na obra de Cepeda. Cada imagem é fruto de uma observação cuidada, de um processo que se vai revelando aos poucos, sem pressas nem imposições externas.
“A fotografia é poesia”
“Aquilo que mais me interessa na fotografia é a poesia. É o olhar, é a forma como tu te relacionas com o mundo. O mundo que tu mostras, porque os fotógrafos mostram um mundo, tanto interior como exterior; há várias leituras, há vários layers [camadas]", afirma. E acrescenta: “Como é que tu reages num território que não conheces? Eu não consigo fotografar sem me relacionar bem e compreender um território. A relação que tu tens com uma cidade é como com uma pessoa. Uma cidade tem uma personalidade, tem um cheiro, tem um som. E tem uma escala e tu tens que a perceber.”
Os seus livros, como Ontem, Rien e Depois, são o reflexo desta abordagem. O fotógrafo recusa o conceito de "projeto" como algo pré-definido, preferindo deixar-se guiar pelas imagens que vai encontrando ao longo do tempo. "A maior liberdade que um artista tem é não saber o que está a fazer. É não controlar e deixar-se ir", afirma Cepeda, explicando que o seu processo de trabalho é orgânico e não planeado. As fotografias vão-se acumulando, criando uma narrativa visual que só no final se revela como um corpo de trabalho coeso. “O livro é o objeto mais importante para um fotógrafo, pois é através da sequência de imagens que a verdadeira narrativa se desenrola”, refere, acrescentando que “existe sempre uma narrativa, por mais abstrato que o trabalho seja”.
André Cepeda © Nuno Miguel Coelho
Os "não lugares", espaços que parecem estar à margem do tempo e da sociedade, têm sido uma constante no trabalho de André Cepeda. Estes lugares silenciosos e despojados são, muitas vezes, espelhos da própria condição humana, refletindo uma solidão e uma introspeção que atravessam toda a sua obra. "É no silêncio que eu me encontro", afirma o fotógrafo, reforçando a ideia de que o seu trabalho é tanto sobre os lugares que fotografa como sobre o próprio ato de observar e sentir o mundo à sua volta.
© Nuno Miguel Coelho
“Há uma parte grande de pesquisa no meu trabalho, uma pesquisa muito pessoal que tem que ver com a vida, com o facto de eu estar vivo e de viver neste momento na cidade do Porto. Tu acordas todos os dias, olhas para a janela, vês a luz e sentes quando sais de casa. Olhas para as sombras, olhas para as pessoas, sentes as ruas, sentes o que se está a passar. Não só tenho sensibilidade para isso e procuro isso, mas porque também quero falar sobre aquilo que vejo. Os lugares que eu normalmente fotografo têm um certo silêncio. Eu costumo dizer que é no silêncio que eu me encontro. O trabalho de um fotógrafo é andar na rua, é andar muito na rua à procura das imagens”, defende.
“Como fotografo em película, a construção é toda mental e para dentro; eu não vejo as fotografias logo, só revelo passado um ou dois meses, ou seja, vou-me lembrando daquilo que fui sentindo. E é importante aceitar quando o trabalho não é bom, às vezes trabalhamos meio ano e o trabalho não é bom, não vale a pena. Tens de continuar. Por isso é que eu digo que é mágico, porque depois há um momento em que tchhhhhh... e te encontras”, remata.
© Nuno Miguel Coelho
"O Porto tem uma escala incrível”
Apesar de ter nascido em Coimbra, ter vivido na Holanda e passado sete anos em Lisboa, André Cepeda tem uma ligação profunda com o Porto, cidade onde viveu e trabalhou. Foi no Porto que produziu os seus três principais livros e onde construiu grande parte do seu percurso artístico. "O Porto tem uma escala incrível", afirma, explicando que a cidade sempre o inspirou. Para ele, o Porto é um lugar onde é possível criar e encontrar um espaço para se desenvolver como artista.
No entanto, após um período em Lisboa, Cepeda sente que ainda está a reencontrar a sua relação com o Porto. "As cidades estão sempre em transformação, e o Porto mudou muito nestes últimos anos", diz, e reconhece que ainda está a absorver as mudanças na cidade desde o seu regresso. Ainda assim, há uma clara afinidade com o Porto, uma cidade que sempre o inspirou e onde se sente em casa. “A relação com o espaço urbano é quase como a relação com uma pessoa: tem que ser construída e alimentada ao longo do tempo.”
Cepeda reconhece que “estamos a passar por um momento de grande transição”, tanto a nível social como cultural, e que cabe aos artistas registar e interpretar estas mudanças. "Este tempo em que estamos a viver deve ser registado, deve ser fotografado", afirma, sublinhando a importância de criar um registo visual que permita às gerações futuras compreender este tempo.
Com uma bolsa recentemente atribuída pela Fundação La Caixa, Cepeda prepara-se para viajar e produzir novas obras, expandindo ainda mais o seu trabalho.
Blues Photography Studio: Inaugurações no estúdio
Com o estúdio em plena atividade e novos projetos a surgir, André Cepeda já prepara a próxima inauguração. O seu espaço na R. da Alegria continua a receber exposições cuidadosamente selecionadas, muitas vezes de artistas emergentes que encontram ali uma primeira oportunidade para mostrar o seu trabalho. “A primeira exposição que organizei aqui foi do Ângelo de Sousa (1938-2011), porque ele viveu aqui na R. da Alegria, um pouco mais abaixo; e, de 68 a 72, ele fotografava da janela de casa dele as pessoas a passar, um olhar social muito interessante, quase antropológico, mas também muito conceptual ao mesmo tempo, refinado", conta. Foi porque Ângelo de Sousa fez uma série intitulada “Os umanistas”, que Cepeda decidiu intitular a exposição “Ângelo de Sousa: Fotografias Umanistas da Rua da Alegria (1968-1972). “Como eu vim para aqui e conhecia esse trabalho, decidi abrir o estúdio com essa exposição. É simbólico, mostrar as imagens da R. da Alegria na R. da Alegria.”
A segunda exposição organizada por Cepeda foi da artista Cristiana Ortiga, com quem já tinha trabalhado anteriormente, na organização da sua primeira exposição, há menos de dois anos. "Nós fizemos a digitalização, o tratamento de imagem e a impressão", explica Cepeda, realçando o papel que o estúdio desempenha na concretização destes projetos.
A próxima exposição já está a ser planeada e promete continuar a trazer novos olhares sobre a fotografia e a arte contemporânea. Para André Cepeda, o estúdio não é uma galeria tradicional, mas um espaço onde as imagens ganham vida e onde a troca criativa com outros artistas é uma constante. A informação sobre as exposições pode ser consultada em blues.com.pt.
Blues Photography Studio © Nuno Miguel Coelho
Por Maria Bastos
© Nuno Miguel Coelho
Partilhar
FB
X
WA
LINK
Relacionados