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Março é um mês denso para a promotora e agência de booking Machamba: já com a segunda edição da festa Chuinga no bolso, vão ainda levar os lituanos Merope ao Ferro no dia 8, o duo Venga Venga à Socorro no dia 15, e Filipe Sambado ao Passos no dia 22. Pelo caminho, promovem uma conversa ao vivo sobre a experiência das artistas mulheres na vida nocturna, no Maus Hábitos (dia 17). Falamos com os cinco elementos da Machamba para perceber esta voracidade.
Machamba são, agora, cinco: Luís Masquete, Leonardo Patrício, Anita Marreiros, Luna Barreto e Nadine Saize. Começando pelo início, a promotora começa com Luís, natural de Barcelos, que após um percurso como programador em Aveiro, se muda para o Porto. Se em Aveiro começou nas lides da programação um pouco sem querer e muito de repente, no Porto esteve cerca de dois anos só a observar o que os novos coletivos faziam e perceber o que poderia acrescentar. E esse acrescentar definia-se, segundo o próprio, “de ver mais diversidade, de ter mais projetos que pegassem no folclore das suas regiões e o transportassem para o presente — ou melhor, para o futuro”.
Descodificar o nome da promotora é, também, uma forma de chegar ao seu âmago. Com ascendência moçambicana, país onde passou alguns anos da infância, “machamba” é das poucas palavras do quotidiano de Maputo que Luís trouxe — significando “jardim ou quintal das traseiras de uma casa”, e viu nessa palavra uma boa metáfora para o que pretendia fazer: “tal como há em Portugal mais ligação à cultura de Angola e Cabo Verde do que à cultura de Moçambique, que está nas traseiras do continente na perspetiva atlântica, também queria explorar o que está ‘nas traseiras’ do panorama musical, projetos que por vezes têm dificuldade em aceder ao circuito”. Resumindo, “seria muito fácil dizer que vimos uma oportunidade de dar uma agenda programática à cidade, mas na verdade só queremos trazer artistas e bandas de que gostamos”.
© Nuno Miguel Coelho
© Nuno Miguel Coelho
Esta agenda tornou-se rapidamente mais do que pessoal à medida que novos membros integram a promotora, e de uma forma bastante orgânica: “Antes ainda de pensar que alguma vez me iria mudar para ou programar no Porto, já a Luna me tinha apresentado um dos primeiros DJs com quem trabalhei, e me tinha recomendado a primeira experiência de booking na dimensão da música tradicional de Cabo Verde, com o Silvino Branca”. Leonardo, colega dos tempos de programação em Aveiro na vertente de comunicação, fez curadoria de um dos primeiros concertos da promotora, levando Kito Winse. Já Anita Marreiros está entre o roster de projetos representados pela Machamba, como DJ Marafada. Por fim, Nadine era manager dos Hetta, banda para quem Luís Masquete chegou a fazer booking enquanto freelancer. Será possível dizer que a equipa se constituiu não com recrutamento, mas com afinidade.
Esta afinidade é algo que está, também, presente no ADN da Machamba, que também assumem uma certa “curiosidade” em misturar águas. Embora reconheçam que não seja algo único à cidade do Porto, vêm nas pequenas bolsas de nichos da cultura alternativa mundos demasiado isolados — daí o conceito das festas Chuinga. Outra palavra lembrada de Moçambique, “chuinga” era a adaptação de “chewing gum”, e nestas festas pretende-se “mascar” num só dia atuações de projetos (e públicos) que raras vezes se cruzam. Leonardo fala de como “juntar estas atuações num só espaço força os públicos a interagir” e a serem expostos a algo a que não estão habituados, enquanto Anita refere como o espaço onde as festas se dão, o AL859, convida a isso, “uma vez que são várias salas sem qualquer tipo de divisão entre elas”.
Este mês denso em programação começou, precisamente, com a segunda edição da Chuinga, levando ao AL859 o rock das aMijas, o punk de Clarisse e de Os Desviados, o techno de JAZTAV, o set multi-instrumental de LVIS e o eclético DJ Set de Raça de Pinto. Já os concertos que se seguem são definidos por Luna como “uma espécie Chuinga desconstruída”, em que uma diversidade de sonoridades se espalham por diversos espaços da cidade. Sendo assim, onde fica a provocação de cruzar públicos? Acontece, segundo Luís, quando “uma banda como Merope, que se adaptaria muito bem ao auditório do Passos Manuel, é, no entanto, levada a tocar no Ferro, uma sala mais habituada a receber ’jarda’, música mais pesada, seja nas componentes rock ou eletrónica. Aqui vamos ter um concerto mais sereno e envolvente, em que a ancestralidade lituana transforma a sala num espaço intimista”.
Antes deste último concerto, haverá tempo para a gravação de um podcast ao vivo no Maus Hábitos. Intitulado “Como é que elas fazem?”, vai buscar a mesma curiosidade que leva a Machamba a promover cruzamentos entre públicos e espaços, aplicando-a a uma pergunta genuina, mas necessária. Aquando da primeira atuação enquanto Marafada — e dentro do “escudo protetor do Porto", cidade onde habita e onde os amigos estariam sempre presentes na pista, teve o primeiro contacto com uma pluralidade de situações desagradáveis que uma DJ pode experienciar na cabine. "Desagradáveis, embora não inesperadas”. Um desabafo partilhado com Luís — que tinha três datas de Marafada agendadas fora do Porto nos fins de semana seguintes. Foi aí que começaram "a questionar até que ponto é que isto é normalizado, ou até que ponto é que são inquietações minhas; ou, pelo contrário, são inquietações partilhadas por outras mulheres DJs no clubbing no Porto e no mundo”. Assim, esta conversa, moderada por Maria Eduarda, junta DJs veteranas da atuação ao vivo, como Noia e MVRIA, com a própria Marafada, "claramente iniciante nestas lides", diz.
Tendo começado há cerca de um ano, a Machamba resiste a fazer balanços ou mesmo desenhos para o futuro. O coletivo sabe apenas que vai continuar a tratar do seu jardim. E se, além do que pretendem semear, novos enxertos que cruzam espécies distintas possam ser feitos, tanto melhor.
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