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“No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.”
Este ditado popular ganha vida nas ruas do Porto onde o fumo dos carrinhos de castanhas e o calor das brasas aquecem quem passa. Em novembro, a cidade enche-se de vendedores que, com anos de experiência, mantêm viva uma tradição secular. Falámos com alguns destes guardiões de memórias e descobrimos, por trás de cada carrinho, histórias de família e de muita dedicação.
Na movimentada Rua de Santa Catarina, encontramos o carrinho da família Figueiras – Margarida e Júlio, ambos com 53 anos, e o filho Diogo, de 19. “Vendemos castanhas há 15 anos, é um negócio de família”, conta Margarida.
O pregão “quentes e boas!” ecoa pelas ruas enquanto Júlio vigia atentamente as castanhas no assador. “As castanhas estão prontas quando se apertam e se soltam da casca”, explica, com um olhar experiente. Este ano, a colheita foi especialmente boa. “As primeiras castanhas do ano eram muito grandes; as que vieram agora estão muito jeitosas e amarelinhas.”
A tradição de venda de rua está enraizada nesta família há gerações.
Margarida, bem-disposta, fala do trabalho em equipa: “O meu filho faz o corte das castanhas, o meu homem é o assador e eu trato da ornamentação e falo com as pessoas.” É um dos carrinhos mais concorridos, e não é por acaso. “Temos muito cuidado com a apresentação, as pessoas comem com os olhos”, diz Margarida, revelando um dos segredos do sucesso, e conta que os clientes “são mais estrangeiros do que outra coisa!” “E eles adoram! Comem com casca, sem casca… Se não sou eu a dizer ‘take off the shells! Take off the shells!’, comem com tudo”, ri-se.
Família Figueiras © Rui Meireles
Já no Largo da Estação de Metro da Trindade, António da Silva Fernandes e a sua mulher, Maria José, há 46 anos nas ruas do Porto, partilham a sua sabedoria. “Nós assamos as castanhas como antigamente”, afirma António. O método tradicional é simples, mas eficaz: “corta-se a casca da castanha, borrifa-se com água e sal, dá-se lume direto para abrirem e depois abafam-se e deixamos que assem lentamente com o fumo e vapor quente.” Este ano, as castanhas estão “um espetáculo!”, assegura. Depois de um ano difícil, em 2023, devido ao mau tempo, António conta que “a colheita está a ser boa” e que a ‘judia’, uma das variedades mais apreciadas, está em “excelente estado”. E no dia de S. Martinho, a 11 de novembro, o negócio duplica: “O dia celebra-se com castanhas e vinho.”
Augusto Lopes © Andreia Merca
Descemos até à Rua Sá da Bandeira e encontramos Laura Santos e o seu marido, Manuel. Ambos com 55 anos, vendem castanhas há 20. Laura recorda: “Lembro-me de vender pipocas desde os sete anos com o meu pai, em Santa Catarina.” Este ano, têm boas notícias: “A castanha está docinha e em novembro está no ponto.” Para Laura, o segredo de uma boa castanha assada está na prática: “O meu marido olha para elas e já sabe quando estão prontas.” Embora não dispensem o pregão “Quentes e boas!”, são os clientes habituais que garantem o negócio.
Da Baixa, subimos até à Boavista onde Augusto Lopes, com os seus “65 mais nove meses”, como gosta de dizer, já perdeu a conta aos anos a vender castanhas, mas lembra-se de ter começado “ainda quando estava na barriga da mãe”. Para ele, vender castanhas é mais do que um negócio, é um modo de vida. “Não é preciso pregão, as pessoas veem o fumo a sair do carrinho, a castanha quentinha e vêm logo.” E aconselha que sejam acompanhadas por jeropiga. No dia de S. Martinho, o movimento é tanto que a sua esposa, Maria Manuel, junta-se a ele para lhe dar uma mão.
Na Praça do Império, na Foz, Adolfo Ferreira dos Santos, 72 anos, vende castanhas desde os 16. A fórmula para fidelizar clientes é garantir qualidade: “Faço sempre uma seleção das castanhas boas e das que não prestam. Assim, os meus clientes sabem que podem confiar.” As pessoas da zona costumam comprar um cartucho à hora do lanche. “Esteja onde estiver, os meus clientes sabem onde me encontrar e é a mim que vêm comprar.”
No limite entre o Porto e Matosinhos, na rotunda da Anémona, encontramos Renato, o jovem que vende castanhas ali há mais de sete anos. Uma tradição que percorre vários membros da família. Está num sítio privilegiado, mas confessa que o maior desafio que enfrenta “são os ventos fortes”. “Quando está mau tempo voa tudo, é um problema.” Mas no dia 11 de novembro espera-se pela subida da temperatura, o chamado “verão de S. Martinho”.
© Andreia Merca
É entre outubro e março que encontramos estes vendedores de castanhas nas ruas do Porto; nos meses mais quentes trocam as castanhas pelas pipocas, algodão doce ou gelados e vendem principalmente nas festas e romarias. Mas todos eles, garantem, preferem vender castanhas. Empurradas ou não por um copo de vinho novo, água-pé ou jeropiga, S. Martinho é celebrado com castanhas nas ruas da cidade onde o fumo das brasas e os sorrisos dos vendedores nos lembram que as tradições ainda têm um lugar especial no nosso quotidiano.
por Maria Bastos
Nota: Festa de S. Martinho É a 11 de novembro, data em que foi sepultado em Tours, que se comemora o dia de S. Martinho, o soldado romano que nasceu, julga-se, em 316 na antiga cidade de Savaria, na Panónia, uma antiga província na fronteira do Império Romano, na atual Hungria. Acredita-se que na véspera e no dia das comemorações o tempo melhora e o sol aparece. O acontecimento é conhecido pelo “verão de S. Martinho”, e é muitas vezes associado à lenda de S. Martinho: Num dia frio e chuvoso de inverno, Martinho seguia montado a cavalo quando encontrou um mendigo a tremer de frio. Sem nada que lhe pudesse dar, pegou na espada e cortou a sua capa ao meio, cobrindo-o com uma das partes. Mais à frente, voltou a encontrar outro mendigo, com quem partilhou a outra metade. Sem nada que o protegesse do frio, Martinho continuou viagem. Reza a lenda que, nesse momento, as nuvens negras desapareceram e o sol surgiu. O bom tempo prolongou-se por três dias.
© Rui Meireles
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