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Entre 13 e 16 de novembro, o Quarteto Contratempus traz-nos a primeira edição do FIATO — Festival internacional de Artes e Ópera do Porto que vai levar ópera a salas de espetáculo, mercados e transportes públicos. Mas podem deixar as luvas de arminho e os binóculos em casa — a ópera que nos vai trazer é descomplicada, desempoeirada e condensada. Falámos com a diretora artística do festival, Teresa Nunes, sobre o que é, afinal, a ópera.
A pergunta evoca o mais recente espetáculo produzido pelo Quarteto Contratempus — “O que é a ópera?”, apresentado na sala da associação, o Espaço QC, a 1 e 4 de setembro. Para Teresa Nunes, cofundadora do Quarteto, em 2008, a definição é simples e abrangente: “É sem dúvida uma forma de expressão primordial.” Para o Quarteto Contratempus, em particular, a ópera deve também ser algo “que passe uma mensagem ao público, que mexa com as pessoas”.
Afinal, é isso que têm feito há mais de uma década — um caso único no país, esta é uma associação inteiramente dedicada à produção e encenação de óperas originais. Fundada por músicos recém-licenciados da ESMAE, dedicam-se a uma forma de arte já quase esquecida. Nos dias de hoje, apenas uma sala de espetáculos em todo o país se dedica a óperas: o Teatro São Carlos, em Lisboa. Na cidade do Porto, e com regularidade infrequente, apenas o Coliseu trazia este género de espetáculo a palco.
As causas do abandono da ópera como género musical eram, no fundo, claras: peças muito longas, e com produções muito dispendiosas pela sua necessidade de orquestra, cenários, atores e figurantes. Por outro lado, Teresa Nunes sugere que uma certa dependência do cânone clássico torna os temas da ópera demasiado distantes do público atual: “As realidades das obras-primas da ópera são de outros tempos.” O Quarteto Contratempus assume a luta contra esta distância: “Trabalhámos a violência contra a mulher, a sustentabilidade ambiental, e vamos agora trabalhar a temática dos refugiados, numa peça que irá estrear em fevereiro. Pensamos sempre no que queremos dizer ao mundo quando nos lançamos numa nova ópera. E nem sempre uma ópera precisa de ser um grande drama com uma soprano que está tuberculosa logo desde o primeiro ato.”
© Andreia Merca
Por estes dias, o que o Quarteto Contratempus quer dizer ao mundo é simples: “Queremos dizer ao Porto que precisa de ópera. Temos andado pelas ruas a entrevistar pessoas, a perceber o que é que elas sabem sobre ópera — e muitas dizem-nos que gostam de ópera, mas nunca foram a uma.” Este parecia ser um problema do lado da oferta, daí a iniciativa do FIATO. “Nós nunca na vida pensámos ser programadores; o festival surge mesmo pela necessidade de criar um espaço para a ópera no Porto. Eu acho que as pessoas têm aqui uma oportunidade para dizer que querem ópera — vindo ao festival, comprando bilhetes, havendo mecenato.”
Esta espécie de censo sobre o apetite do Porto pelo género arranca com cinco óperas contemporâneas. A abrir o festival, no dia 13, a opereta “Maria da Fonte”, com encenação de Ricardo Neves-Neves, é uma reposição desta peça estreada em novembro passado no CCB. Contará com o coro do Teatro Nacional de São Carlos e a orquestra Artave — será a ópera com maior escala de todo o festival. No dia 14, a Inestética Companhia Teatral leva “Manifesto Nada” ao Teatro do Bolhão, uma ópera sobre o movimento dadaísta. No dia 15, “O Fauno das Montanhas”, no Teatro Helena Sá e Costa, é a reinterpretação da companhia Arepo (“ópera” em escrita inversa) de um filme mudo português. Os mais pequenos poderão juntar-se à festa no dia 16, com “Serena Serenata” dos Ópera Isto, no Coliseu. E o fecho acontece com a reposição de uma ópera do Quarteto Contratempus, “Torre da Memória”, no Teatro do Bolhão, com um libreto que homenageia as mulheres dos pescadores.
Embora não possua um tema transversal, esta primeira edição do FIATO abre com uma homenagem a uma mulher forte da história portuguesa, e fecha com uma homenagem às vareiras, “mulheres cujo trabalho nunca foi suficientemente reconhecido”: “Eram mulheres que ficavam em terra, enquanto os seus maridos andavam na faina, a vender o peixe pela cidade, a cozinhar, a reparar redes danificadas”. Assim, embora não seja um tema condutor, a verdade é que “a figura da mulher é um mote desta edição”.
Mas nem só de espetáculos em sala se faz o FIATO. Fruto de uma audição aberta a cantores líricos, o Quarteto Contratempus tem estado a trabalhar com uma equipa que irá levar cinco pequenos “sketches” cantados a diversos espaços públicos, numa série que chamaram de “Ópera à Moda do Porto”. Estes espetáculos de acesso livre vão acontecer na Estação de São Bento, na estação de Metro da Trindade, no shopping Via Catarina em dois dias diferentes, no Mercado Bolhão e dentro de um autocarro dos STCP. Segundo Teresa, a ideia é “pegar em melodias ‘orelhudas’, que as pessoas reconhecerão de anúncios publicitários, por exemplo, e transformá-las com novos textos escritos pelo Ricardo Alves dos Palmilha Dentada”. Esta atividade pretende, precisamente, levar a ópera ao grande público e tomá-lo de surpresa, para que perceba que a ópera é mais do que os clichés habituais. “Eu fico feliz com a ideia de que vamos desviar as pessoas do seu caminho habitual, que vamos surpreendê-las com algo novo.”
© Rui Meireles
© Rui Meireles
Outros programas paralelos incluem rastreios vocais gratuitos e oficinas de saúde vocal, em parceria com uma instituição de saúde, e uma noite de “microfone aberto” – uma espécie de “karaoke de ópera” com música ao vivo, na Casa da Beira Alta, onde qualquer pessoa poderá cantar a sua ária favorita, acompanhada pelos músicos presentes. Será também na Casa da Beira Alta que estará patente uma exposição de cartazes de ópera, cedidos pelo Coliseu Porto Ageas e trabalhados pelos alunos da ESMAD para realidade aumentada. O fecho acontece com uma festa no Maus Hábitos, com um ângulo novo para uma dupla de DJs habituais naquele espaço, em "Shuggah Lickurs vão à Ópera".
A primeira edição vem cheia de esperança de que “a ópera venha para ficar” na cidade. Sobre o futuro do festival, Teresa confessa que gostaria que “viesse a tornar-se uma estrutura permanente, que existe por si só, como o são o fimp ou o FITEI”.
por Ricardo Alves
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