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Com luzes baixas e música que percorre vários dos seus espaços, o Batalha irá inaugurar em modo de clubbing "Testament E: MF.slow.cancel.2014", a primeira exposição a solo em Portugal do artista visual americano Tony Cokes. Esta exposição junta obras de diversos pontos na carreira do artista visual americano, reconhecido pelo formato de mensagens textuais aplicadas sobre fundos de cores vibrantes. Estas mensagens cruzam textos críticos e ensaios sobre sistemas de poder com música pop de ritmo acelerado, propondo uma releitura de ambos os elementos.
Derrick May, Kraftwerk, e New Order soarão pelos corredores do Batalha Centro de Cinema, enquanto Britney Spears será o foco da obra que estará em projeção contínua na Sala 1. Conversámos com Tony Cokes sobre o seu método, e sobre o que esperar desta exposição.
Agenda Porto: No início da tua carreira, baseaste-te mais em imagens de arquivo e found footage. O que é que te levou a mudar para texto simples sobre um fundo vibrante?
Tony Cokes: Foram duas coisas, embora eu gostasse que tivesse sido só uma. No início dos anos 2000, logo após o 11 de setembro, estava a trabalhar em dois projetos diferentes. Por um lado, estava a trabalhar numa espécie de repertório de imagens na, e à volta da, “guerra contra o terrorismo”. E não tinha a certeza se queria lidar com imagens traumáticas — estas imagens já estavam a circular, as pessoas já as conheciam. Não precisava de insistir nelas. E pensei que seria mais fácil, e talvez mais eficaz, falar sobre elas na sua ausência. Ao mesmo tempo, havia lacunas nos arquivos, ou coisas que não estavam registadas.
Por outro lado, houve um projeto em que escrevi alguns pequenos ensaios sobre a música popular contemporânea e utilizei uma espécie de clipes em loop de um vídeo musical genérico. E perguntei-me o que aconteceria se retirasse esse clip e me concentrasse novamente no texto.
Por isso, a certa altura, disse 'não' às imagens traumáticas, 'não' às imagens da cultura popular, só para ver o que acontecia, e gostei do efeito — levou-me de volta aos tropos da arte concetual e do minimalismo. Mas, ao mesmo tempo, usando um vocabulário que eles nunca usariam — muitos filmes estruturalistas, por exemplo, não têm banda sonora.
© Inês Aleixo
AP: A música, no entanto, é vital para o teu trabalho.
TC: Pensei que poderia ser interessante preencher essa lacuna, ou fazer coisas, utilizando certas abordagens e técnicas visuais, mas acrescentando-lhes som. Formas de recodificar, por assim dizer, coisas que já tinham sido lidas ou recebidas.
AP: Então, não vês a música pré-gravada, de estúdio, como uma mensagem estática?
TC: Há camadas e um tipo de processo de produção na própria música. E, para mim, é quase uma espécie de substituto da montagem tradicional, se quisermos, num documentário ou num filme narrativo, tendo este tipo de processo que está a decorrer e que parece estar em segundo plano. Por isso, para mim, é uma espécie de presença complementar e talvez complicadora no trabalho.
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AP: O que nos podes dizer sobre “Testament”, o trabalho que vais estrear na Batalha?
TC: Há algum tempo, pediram-me para fazer uma espécie de apresentação performativa, e já andava a pensar em textos de Mark Fisher há muito tempo. Por isso, peguei numa gravação do YouTube e transcrevi-a — havia uma série de erros, como a utilização de maiúsculas e a pontuação, mas eu estava interessado em alguns desses erros. Decidi que queria usar esse texto que tinha gerado e editado, como se estivéssemos a alternar entre a primeira e a terceira pessoa, como base para outra peça. Foi uma daquelas coisas em que tive a ideia de uma espécie de viagem no tempo, em que uma coisa que foi escrita e apresentada num determinado momento, como se iria repercutir num momento diferente; neste caso, dez anos depois de ter sido apresentada inicialmente. E encontrei algumas semelhanças e lacunas estranhas. E uma das coisas de que o texto fala é esta deslocação do tempo linear e da história linear, que é algo que me fascina, por isso pareceu-me uma coisa muito interessante para trabalhar. No texto, Mark Miller questiona se podemos saber se a música popular progrediu ou se está a fazer uma série de loops, de ciclos.
AP: Tudo isto parte do texto original da conferência do Mark, mas falaste de um lado performativo, ao leres e incorporares as suas palavras.
TC: Sim, de certa forma, eu reexecutei-o. Mais uma vez, à distância, como uma pessoa diferente, quase como um ator. Também me interessa a questão de quem está a falar, e em que contexto, e achei que seria interessante pegar em algo que sabia ser de outro lugar e apresentá-lo num tempo e lugar diferentes.
AP: Por falar em tempo, esta exposição é, de certa forma, antológica, abrangendo peças de vários anos do teu trabalho.
TC: Tenho tendência para encarar as práticas expositivas como oportunidades para justapor e redefinir o contexto do trabalho. E, do mesmo modo que abordo frequentemente as componentes textuais e musicais como formas de as reformular e reenquadrar, penso que isso é algo que pode acontecer com as obras individuais e as suas relações, tanto em termos históricos como de conteúdo. E gosto da ideia de poder revisitá-las num contexto diferente, quase mais para minha edificação do que para a edificação do público. É divertido para mim!
AP: Então, divertiste-te a preparar esta exposição?
TC: Pensar as exposições em relação com o espaço, para mim, é divertido. E definitivamente diverti-me a montar esta! Sabes, as pessoas costumam pedir-me especificações ou perguntar quais são as minhas condições preferidas para expor as obras. E eu gosto sempre de pensar nisso em relação a um espaço ou espaços.
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AP: Normalmente, os artistas têm requisitos muito específicos para expor o seu trabalho. Vês isto de uma forma mais livre?
TC: Em retrospetiva, talvez esteja relacionado com o facto de eu ter acabado por me formar como escultor, apesar de não fazer escultura. A razão pela qual tenho uma licenciatura em Escultura é porque, quando estudei, não havia um curso vocacionado para os Media. Embora nunca tenha trabalhado como escultor, isso levou-me a pensar em formas de apresentação e histórias, se quisermos, de apresentação da Arte dos Media. Lembro-me de estar numa exposição com pintura e escultura em que apresentei um monitor num pedestal. E uma pessoa veio ter comigo na abertura da exposição e disse-me: “Não sei o que fazer com isto, porque se passo dois minutos a olhar para um quadro, é muito tempo. Portanto, não sei o que fazer com esta coisa que tem tempo.” E lembro-me de pensar: “Não posso obrigar-te a fazer nada, isso é contigo.” É possível apresentar a mesma informação numa variedade de escalas, numa variedade de tecnologias, e eu até gosto disso. Não vejo isso como uma dificuldade ou um problema, isso é tratar os media como um objeto, o que não tenho a certeza que seja.
por Ricardo Alves
© Inês Aleixo
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