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O horóscopo para o signo de Aquário neste mês de janeiro vaticina influência de Marte retrógrado, aconselhando contrabalançar os seus efeitos com "dinamismo e clareza" na comunicação. Luís Salgado não teme estes astros porque vai marcar o seu aniversário a 25 de janeiro da mesma forma que o faz há mais de uma década: com o Maus Hábitos a abarrotar de bandas, DJ sets e pessoas... muitas pessoas. Falámos com o programador desta emblemática sala de espetáculos sobre a festa que, sendo agora nós "dinâmicos e claros", vai ser de arromba.
Luís Salgado é conhecido como o programador do Maus Hábitos, mas o “Salgado Fest” já acontecia ainda antes de assumir esse pelouro. Natural de Tomar, muda-se para o Porto em 2011 para tirar o mestrado em Design de Som. Já era frequentador do Maus Hábitos antes disso, tendo tocado ali com todos os projetos que já teve, desde bandas de garagem até ao duradouro projeto Stereoboy, ainda em atividade. Mas é em 2011 que, desafiado por amigos, organiza naquele espaço uma festa de aniversário em formato de festival. O feito é repetido no ano seguinte, com uma afluência que chamou a atenção: “Aquele segundo ano correu bastante bem, e logo no abril seguinte chamaram-me para o Maus para uma reunião onde me perguntaram, basicamente, se conseguia fazer aquilo todos os dias.”
© Inês Aleixo
Desde então, não tem acontecido um Salgado Fest todos os dias no Maus Hábitos, mas no circuito noturno é reconhecida a capacidade deste espaço em se renovar, e chamar a si as diversas dinâmicas que pulsam na cidade. Salgado fala sobre como lhes interessa terem ali “várias comunidades, porque todas têm coisas interessantes para dar e para receber”. “Interessa-nos a comunidade LGBT, a comunidade imigrante, a comunidade artística mais freak, a comunidade das cenas mais experimentais, a comunidade do hip-hop. Essas comunidades todas, agregamo-las aqui.” Não acontece tudo apenas por puro romantismo, no entanto, “é a única maneira de um espaço deste tamanho ser viável, chamando a si vários públicos. Espaços mais pequenos conseguem sobreviver em nichos e ser mais dedicados a uma só linguagem”.
© Inês Aleixo
Apesar das diversas subculturas que fluem entre as diversas salas do Maus Hábitos, Salgado não vê uma “mistura de águas”: “Podemos ter uma inauguração de exposição, um concerto e um clubbing no mesmo dia, e as pessoas também gostam dessa diversidade, mas não há muita osmose. Não temos muito o público que vem só tomar um copo e logo vê o que se vai passar. Somos como a RTP2: quem vê, quer ver.”
© Inês Aleixo
E como é programar um espaço que não encerra? Para começar há uma barragem de propostas: “Recebemos cerca de 300 propostas por mês. Duzentas e tal bandas de todo o tipo, desde o metal ao sertanejo. Até bandas de tributo enviam propostas.” A seleção é cuidada, mas não há um “não” à partida: “Ouço tudo e respondo a tudo. Posso não ter tempo para ouvir o disco inteiro, mas ouço o que posso.” E os critérios, no fundo, são bastante simples: “Qualidade, mas também o potencial. Às vezes percebes que é uma banda que está mesmo a começar, que ainda está verde, mas que daqui a um ano ou dois já vai estar num outro patamar. E, nesses casos, eu gosto que eles venham aqui experimentar e crescer.” Essa “porta aberta” para jovens promessas também é algo que deixa gratidão: “Há bandas que crescem, mas que continuam a vir cá fazer concertos. Bandas que tocam nos Coliseus, mas que continuam a vir tocar aqui.”
Mais uma vez, a variedade de programação é também um apoio operacional: “Se nos focássemos só no público quarentão, o Maus Hábitos fechava sempre às duas da manhã. Eles já viveram o clubbing, já passaram por isso, agora doem as costas e querem ir para casa. Portanto, o que nós fazemos é ir buscar quem está a fazer festas pela cidade, nem que seja na garagem dos amigos. Quanto ao clubbing, somos curadores de curadores.”
Quanto ao Salgado, dores nas costas não é impeditivo de continuar a sair à noite: “Costumo muito ir aos concertos do Ferro. Também vou muito à Socorro, que neste momento uso quase como cobaia: ele [João Pimenta] arrisca muito em bandas novas, em coisas como o Xavalo Fest, que tem muita piada porque são tudo bandas de liceu. Eu vou lá ouvir, e se algo me agradar, chamo para o Maus.”
E sobre o Salgado Fest deste ano? “A primeira hora é um bocado chata, com toda a gente a dar os parabéns e não sei quê. Mas depois disso já ninguém se lembra do aniversário”, admite o aniversariante — que, em boa verdade, já fez anos quando a festa acontece: nasceu mais ou menos a meio do mês, e a festa acontece sempre no último sábado de janeiro.
Esta altura do ano parece extremamente propícia ao aniversariante: “Tive a sorte de nascer em janeiro, porque é um mês em que não se passa muita coisa. Então, as bandas estão disponíveis, o público também está disponível porque já passou a ressaca da passagem de ano — já estás com vontade de sair e de ir ver coisas. Acaba por ser o primeiro festival do ano, o descongelamento.”
Sobre o descongelamento deste ano, mantêm-se os mesmos espaços. A sala principal de espetáculos muda o nome para Palco O Salgado (“ainda não arranjei patrocínio, tipo MEO Salgado, mas estou aberto a isso!”), e vai receber as artistas em nome próprio MaZela e Evaya, seguida de uma interpretação ao vivo dos X-Wife do seu álbum “Feeding the Machine”, e as atuações terminam com IDEIA DE MERDA, uma atuação surpresa — o DJ set fica a cargo dos Máquina. No Palco Super Bock (uma reconversão da área de restaurante) haverá um desafio prolongado aos tímpanos com Trasgo, Gatafunho, OFFTIDES, IdleHand e MONCHMONCH.
Pelo caminho, haverá espaço para DJ sets das The Ema Thomas, de Paulo Couto e Luís Oliveira. O Palco Vivarium Stockhausen, na sala Saco Azul, vai receber os concertos mais intimistas e serenos de Juanma LoDo, Calcutá, @c, Ilusão Gótica, Girls 96 e o convidado surpresa “umgajoóptimoabaterpalminhas” (más línguas dirão que se trata da presença habitual de Samuel Úria). A completar a invasão de todos os espaços possíveis, a Mupi Gallery vai receber uma atuação de Mr. Gallini, e a Oficina (literalmente uma sala de ferramentas) vai receber O Rosas. Este ano, para entreter a inevitável fila à entrada do edifício, o artista O Mau Olhado estará a tocar em plena Rua Passos Manuel.
E como os aniversários são ótimos momentos para lançar planos, quisemos perguntar ao Salgado o que vem aí: “Para o festival, estou num momento de indecisão. Já pensei em torná-lo algo de dois dias, e também já me passou pela cabeça a doideira de fazer algo tipo D’bandada, em vários espaços. E tenho impressão de que os espaços estariam abertos a isso — mas aí já só é possível com patrocínios.”
por Ricardo Alves
© Inês Aleixo
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