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São João 2024
Do mar à brasa
A sardinha não se quer pequenina, quer-se grande e gorda
Do mar à brasa

Na noite de São João não pode faltar sardinha! Mas antes de chegar ao prato é preciso que os pescadores troquem o dia pela noite e vão ao mar buscá-la. João Braga é filho de pescador, aprendeu tudo com o pai e hoje é mestre da pesca da sardinha. Começou com 14 anos e agora, aos 57, coordena 18 homens a bordo da traineira “Pérola do Mar”.

Do mar à brasa: a sardinha não se quer pequenina, quer-se grande e gorda


A sabedoria popular diz que “filho de peixe sabe nadar”. No caso de João, eram dez filhos, seis rapazes e quatro raparigas. Embora todos tenham crescido no mar, só dois é que agarraram o leme. João é um dos muitos pescadores que encontramos no Porto de Leixões ao nascer do dia. Vemo-lo chegar com o peixe acabado de pescar. Diz-nos que tivemos sorte, que “hoje foi um dia bom, um dia feliz, porque todos apanhámos sardinha, mas há dias que não levamos nada para casa”. Natural de Matosinhos, foi nestas águas que João aprendeu a arte do cerco, que permite capturar uma grande quantidade de peixe de uma só vez. “Os pescadores começam por localizar a sardinha, através das gaivotas e de sonares, e quando a localizam atiram a rede ao mar”. Esta grande rede forma um círculo, “uma barriga de peixe”, ao redor do cardume. Após posicionar a rede, os pescadores puxam as cordas que a fecham em torno do cardume, impedindo que as sardinhas escapem. A rede é, então, levantada para a superfície e puxada para cima, para que as sardinhas sejam transferidas para as “dornas de armazenamento”, caixas com muito gelo, que as mantém frescas até serem descarregadas no porto. Todo este trabalho é feito a muitas mãos, é “um trabalho de equipa”, assegura João.

Do mar à brasa

© Rui Meireles 

Do mar à brasa

© Rui Meireles

Os pescadores aprendem a observar a natureza e a respeitar as suas alterações, enfrentando desafios como a agitação marítima. “A maior dificuldade é quando ‘a água anda’, quando tem corrente; se a água ‘correr’, aquele chumbo na rede não consegue ir ao fundo e a sardinha passa por baixo e diz-nos adeus”, conta, entre risos. Outro desafio da pesca de cerco é a captura não intencional de outras espécies. “Não conseguimos controlar o que vem na rede e, por vezes, somos obrigados a deitar peixe fora”, lamenta, apontando, ainda “outro desafio”: “Os golfinhos, a que os pescadores chamam ‘toninhas’, andam atrás da sardinha e atrapalham o processo”, queixa-se.


Sustos? “Atualmente, com a ajuda dos aparelhos eletrónicos, já podem ser evitados, mas já apanhámos”, recorda. “Na Figueira da Foz, por exemplo, já aconteceu não conseguirmos entrar na barra e ficarmos do lado de fora.” Por isso, para “evitar surpresas”, é necessário observar o mar e saber quando o tempo está de feição para a pesca. “Não tem hora marcada, e depende de vários fatores”, diferindo de região para região. “Aqui, no norte do país, a melhor altura para pescar é à noite, porque as águas estão calmas e os peixes mais ativos, ou ao alvor, ao nascer do sol, porque a luz cega os peixes”, explica.

João, resignado, diz-nos que “o mar é que sabe; uns dias dá e outros dias não dá nada”. “Ontem não foi um dia bom, houve uns barcos que apanharam uns 60 a 70 cabazes e foram para casa ‘fazer uma caldeirada’” – que é como quem diz que chegaram sem nada. No cais, além dos pescadores, estão também aves marítimas, sobretudo gaivotas, que aguardam pela chegada dos barcos com as sardinhas e, quando as veem ser transportadas para o porto, voam a pique na esperança de apanharem tantas quanto conseguirem. “No mar, as gaivotas dão-nos o sinal quando veem a sardinha, aqui, no cais, só atrapalham, cagam-nos na cabeça; faz parte.”


O preço da sardinha é definido na primeira venda em lota (através do leilão entre os compradores), sendo influenciado não só pela sua qualidade, mas também pela procura, e é por isso que pelo São João “sobe significativamente”. Depois da lota, as sardinhas seguem para o armazém de distribuição onde são despejadas numa máquina que as pesa e as coloca em caixas previamente calibradas, com água e gelo, como refere Teresa Peixe, proprietária de uma empresa de distribuição de pescado. Dali, as sardinhas seguem para os restaurantes ou para exportação.

No São João, a sardinha pinga no pão


“A sardinha deve ter uma textura firme, mas deve ser suculenta e macia. Deve ter uma cor brilhante e se cheirar a mar é sinal de frescura”, explica-nos João. E, ao contrário do ditado que reza que a sardinha “quer-se pequenina”, afirma que deve ser “grande e gorda”. É em junho, pelo São João, que “está no ponto, mas temos de a deixar engordar!”


Fogo nem que seja na brasa!


Durante este mês, os restaurantes de peixe preparam as brasas para as sardinhas, que têm de estar “frescas e limpas”. Basta adicionar-lhes sal grosso e limão e “são servidas com pão, que absorve a sua suculência”. Depois, é só celebrar as festas da cidade.

Do mar à brasa

São João 2023, ©DR

por Maria Bastos

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