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Conjugar o Porto
"Voar" com Manuel Cardoso
Entrevistas
Conjugar: Voar com Manuel Cardoso

São adultos, mas parecem crianças a brincar (a sério) com aviões. Estamos a falar dos aeromodelistas, como é o caso de Manuel Cardoso. A Agenda Porto foi voar com ele (sem sair do chão).

É numa pequena oficina nas Escadas do Barredo, em plena Ribeira, que damos com ele sempre de volta dos aviões. Manuel é sócio fundador – e presidente desde 2004 – do Clube de Aeromodelismo do Norte, que organiza vários encontros da modalidade, entre os quais o Encontro Internacional de Hidroaviões de Moimenta da Beira. “Costumamos fazer todos os anos na Albufeira de Vilar; têm lá Canadairs de quatro metros que carregam 10 litros de água, e descarregam, às vezes, na brincadeira, por cima do pessoal quando está muito calor”, conta, a rir, acrescentando que “há muitos espanhóis” a participar neste encontro.


Natural de Tarouca, depois de ter terminado a quarta classe, aos 11 anos, Manuel foi trabalhar para uma mercearia, e aos 12 mudou-se para o Porto, onde já viviam familiares, que eram donos do restaurante Porta Larga, na Ribeira. Em 1971, mudou-se para Luanda com os pais, onde estudava e trabalhava, e aí começou a cobiçar os aviões que via nas montras, “mas eram muito caros”. “Desde miúdo que gostava de ver os aviões, isto já vem desde criança.”

Conjugar: Voar com Manuel Cardoso

© Inês Aleixo

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© Inês Aleixo

Em 1975, regressa ao Porto e fica a trabalhar no restaurante dos tios. É em 1982, quando faz a tropa no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP), que inicia a construção do seu primeiro modelo, através de um plano cedido por um colega de atletismo, que na altura praticava no FCP. “Comecei por aí, com um plano; comprei a balsa (madeira) na rua da Fábrica, com que construí um asa alta, que são os modelos que têm uma asa por cima, como os Cessna, que planam melhor que os outros; são os modelos que nós utilizamos para ensinar.” Desde aí, já perdeu a conta ao número de modelos que construiu.


Durante cinco anos, trabalha num aviário, em Cucujães. Em 89, entrou para uma firma de transporte internacional de cargas e mercadoria, mas “não seu deu bem” porque ficava sem os fins-de-semana livres para se dedicar ao aeromodelismo. “Como eu gostava muito de aviões e é ao fim-de-semana que pratico, não era compatível.” Foi camionista durante 34 anos, mas “dentro de portas”. Desde que se reformou passou a dedicar-se a tempo inteiro a esta sua paixão. “Todos os dias estou aqui, agora é o meu trabalho. Desde que acabei a minha profissão, faço o meu horário, venho para aqui às nove e meia, vou almoçar ao meio-dia e meia hora, e regresso das duas às seis e tal”, conta, e assegura que “tem sempre que fazer”.

De olhos postos no céu


Manuel conta que há algumas décadas havia apenas “duas ou três pistas” para a prática da modalidade, e que costumava ir, aos sábados, à pista de Espinho para aprender a voar, altura em que, admite, “sentiu na pele [uma certa discriminação]”.


 “Chegava lá com o meu modelo [modesto], as pessoas olhavam quase de lado para mim. Era a elite, não é? Os engenheiros, os ‘doutores’, que tinham dinheiro e a possibilidade de ter modelos caros. Eu punha o avião no chão a ver se alguém me ajudava, mas houve muitos dias em que vinha embora sem voar, porque não havia quem ensinasse… E isso aí começou-me a revoltar”, conta.


É então que, em 1992, juntamente com mais seis aficionados da modalidade, cria o Clube de Aeromodelismo do Norte. “Criámos o clube e dizia ‘na entrada para a pista os doutores ficam lá fora; cá dentro somos todos aeromodelistas’, que é mesmo assim. Não há cá grupinhos”, ri-se.

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© Inês Aleixo

Atualmente, o clube tem cerca de 50 sócios, mas já teve 160. “Se o clube não tiver pista, é mais difícil arranjar sócios.” Até 1998, o clube teve uma pista asfaltada, de 200 metros, na Seroa, em Paços de Ferreira. Entre 1998 e 2004, ficou sem pista; e os aeromodelistas costumavam utilizar a base aérea de Maceda (Ovar), onde têm autorização para voar ao sábado e ao domingo. Desde 2005, tem uma pista em Pedorido, em Castelo Paiva, no espaço das antigas Minas do Pejão. Se estiver bom tempo, é lá que, aos sábados, vamos encontrar Manuel de olhos postos no céu a pilotar os seus aviões e a controlar os seus paraquedistas.

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© Inês Aleixo

Um hobby que pode sair caro


“As pessoas dizem que o aeromodelismo é muito caro, e poderá ser quando se começa ‘a entrar’ por certos modelos”, diz, enquanto nos mostra um modelo que custa mais de dois mil euros. “Só o kit, todo em fibra, custa 600 euros, mas depois há as aplicações, os motores; aí, passa a ser um hobby caro.” Mas também há modelos baratos.


Quando se iniciou no aeromodelismo, Manuel não tinha possibilidade de comprar modelos caros, e, por isso, aprendeu a construir. Aerodinâmica, eletrónica, física, carpintaria ou serralharia são saberes que foi adquirindo. Há quem diga, por isso, que o aeromodelismo é um dos desportos mais “mentalmente saudáveis”.

“Construir um modelo pode demorar três meses.” E dá o exemplo de um hidroavião todo em madeira, colado com cola branca, “o modelo mais trabalhoso” que terá construído. “Deixo uma peça a colar de um dia para o outro, são muitas horas que se gastam, mas eu gosto porque foi assim que eu comecei”, diz-nos. “Não me mete medo reparar um modelo que se parta todo, e já tenho refeito modelos.”


Com o mesmo comando, Manuel consegue controlar todos os seus aviões. Dentre os vários modelos, destaca um modelo Patriot num kit montado por si, todo em madeira, em 1998. “Só partiu uma vez”, assegura. Também destaca dois F16, um em esferovite e outro em fibra de vidro e madeira – um dos seus preferidos. “Um avião destes, movido a turbina, descola a uma velocidade bastante elevada, que no ar pode atingir com facilidade os 300 km/hora”, conta.

Um país de aeromodelistas


Em Portugal, Manuel estima que haja entre 3.000 e 4.000 aeromodelistas. São muitas as categorias e classes do aeromodelismo nacional: Categoria F1 – Voo Livre; Categoria F2 – Voo Circular; Categoria F3 – Voo Radio Controlado; Categoria F4 – Maquetas; Categoria F5 – Modelos Eléctricos Rádio Controlados; Categoria F7 – Mais leves do que o Ar; e Categoria F9 – “Drone Racing” – Rádio Control. Nesta última categoria, como o nome indica, são utilizados drones.


Na sua oficina, vemos muitos troféus a comprovar a sua perícia com os pequenos aviões. Perguntamos se há algum de que se orgulhe mais. “Todos são especiais; qualquer coisa que a gente ganhe é bom”, afirma, sorridente.


Manuel também é formador e tem vontade de ensinar quem quiser aprender a pilotar estes aviões, e lamenta que as camadas mais jovens não tenham tanto interesse pela modalidade. Atualmente, apenas dá formação a um jovem de 14 anos. Perguntamos se também há mulheres aficionadas, e conta-nos que “já ensinou duas, por acaso, mas depois casaram-se, e pronto”.

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Modelos em competição © Cortesia de Manuel Cardoso

por Gina Macedo

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