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Coletivo MAAD © Andreia Merca
No mês em que se assinala o Dia Internacional da Mulher, a Agenda Porto foi conhecer o Coletivo MAAD (Mulheres Arte Arquitetura & Design), responsável pela Tour Feminista do Porto. Isabeli Santiago, Alícia Medeiros e Chloé Darmon guiam-nos por locais públicos da cidade do Porto para lembrar a vida e a obra de mulheres artistas, escritoras e ativistas. Ana Plácido, Carolina Michaëlis, Virgínia Moura, Henriqueta da Conceição ou Gisberta Salce são alguns nomes que fazem parte do roteiro. Enquanto caminham deixam recordatórios efémeros.
O interesse pelas histórias de mulheres, “pelo caminhar enquanto prática feminista, aliada às experiências artísticas como ferramenta de reapropriação do espaço público”, bem como “a sua experiência enquanto mulheres imigrantes que queriam conhecer o território” onde vivem foram alguns dos motivos que as fizeram iniciar este projeto.
Isabeli, assistente de curadoria na Galeria Municipal do Porto desde 2019, e Alícia, arquiteta, artista e investigadora independente, conheceram-se em 2016 e tiveram vontade de juntar os seus trabalhos e práticas: durante o Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público, na FBAUP, Alícia desenvolveu uma pesquisa sobre caminhar como prática artística enquanto Isabeli, no âmbito da sua licenciatura em História da Arte (FLUP), já havia desenhado roteiros na cidade que partiam da memória de mulheres como Sophia de Mello Breyner Andresen, Carolina Michaëlis, Rosalia de Castro, e de arquivos históricos locais e da literatura.
O envolvimento das duas em coletivos feministas impulsionou a primeira visita guiada, em 2019, durante o Festival Feminista do Porto, entretanto extinto.
Tour Feminista do Porto © Andreia Merca
Chloé Darmon, Alícia Medeiros e Isabeli Santiago © Andreia Merca
Caderno da Tour Feminista do Porto criado pelo Coletivo MAAD © Andreia Merca
Na altura, convidaram a curadora e investigadora Laurem Crossetti, “que se interessava por práticas em espaço público e também tinha o desejo de criar tours alternativas” e, a partir daí, enquanto Coletivo MAAD, elaboraram um roteiro.
“Foi da combinação da investigação e do conhecimento da Alícia, enquanto arquiteta e artista investigadora [doutorou-se em Artes Plásticas, pela FBAUP, com uma tese intitulada Walking for it: Caminhar como uma prática artística nas cidades das mídias móveis: uma resistência poética à violência de gênero], que adaptámos o formato de tour e a experiência no espaço público”, frisa Isabeli, acrescentando que o seu contributo se relacionou com o levantamento histórico, a partir da toponímia local, articulado com pesquisas anteriores que já havia realizado durante a licenciatura e o mestrado.
Juntas, foram “dando forma ao enquadramento narrativo, combinando teoria da arquitetura, teoria e história da arte, metodologias artísticas, pedagogias experimentais e feministas, enquadramentos e práticas da historiografia feminista”.
Entretanto, o coletivo cresceu e passou a contar com a colaboração de Chloé Darmon, arquiteta francesa e autora de um projeto de mapeamento intitulado “Habitar a Água”, em que, a partir do território portuense e dos lavadouros públicos, explora as relações históricas entre mulheres, água, trabalho doméstico e ruralidades.
“A tour é um fim e um meio, que reúne estratégias que permitem a recuperação, criação e a partilha de histórias das mulheres na e da cidade do Porto”, afirma Isabeli, historiadora da arte e doutoranda em Estudos Feministas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. “Estes roteiros partem da tentativa de perceber o Porto pela história das mulheres, aparentemente invisíveis na cultura visual da cidade e, simultaneamente, do desejo de trabalhar sobre a oralidade de maneira a inscrever efemeramente na cidade estas histórias, que depois continuam a sua vida num arquivo imaterial partilhado entre as pessoas que caminham connosco”, explica.
As Tours Feministas do Porto costumam acontecer entre a primavera e o início do outono, quando o tempo convida mais a passeios, sendo que o Coletivo MAAD propõe quatro roteiros diferentes, que podem durar até quatro horas: o roteiro histórico; o femi-literárias, o roteiro decolonial e, ainda, o roteiro dos lavadouros, este último da autoria de Chloé Darmon, que integra o MAAD desde 2024. O roteiro histórico é “o mais popular” e o que costuma acontecer com maior frequência.
Informações sobre obras de Ana Plácido afixadas junto à estátua "Amores de Camilo" © Andreia Merca
Afixação de cartaz alusivo a Carolina Michaëlis no rés-do-chão da casa onde viveu © Andreia Merca
As representações materiais de mulheres no espaço público, nomeadamente toponímia, arte pública, grafite e intervenções artísticas, bem como as histórias locais que recolhem por transmissão oral são critérios para a inclusão de um determinado local na Tour Feminista, considerando os diferentes roteiros. “Os depoimentos das pessoas que caminham connosco e que são pertinentes, a necessidade de intervenção artística, bem como os silêncios, exclusões e invisibilidades” também são tidos em conta.
A intervenção no espaço público: uma performance ativista
As Tours Feministas não se limitam a informar e a contemplar. Também têm um lado interventivo e ativista, através de marcas efémeras que costumam deixar no espaço público, como stickers e cartazes. “Tentamos intervir no espaço público para deixar uma presença visual na paisagem”, alertando, assim, sobre “marcos e invisibilidades no espaço público”, como explica Isabeli. “A própria ação da tour acaba destacando-se na paisagem, como uma performance ativista na cidade.”
Por vezes, o Coletivo também distribui stickers para que as pessoas que participam nas tours possam intervir noutros lugares da cidade onde tenham ocorrido episódios de "violência machista, racista ou lgbtqifóbicas".
Mulheres na toponímia: entre a invisibilidade e a idealização
A propósito da "fraca representação" das mulheres no espaço público, Chloé Darmon recorda o livro Toponímia Feminina Portuense, de César Santos Silva, que demonstra que as ruas da cidade com nomes de mulheres reais correspondem apenas a 1,5%. Estes números são, para Chloé, sintomáticos da "invisibilidade da mulher" no espaço público.
Chloé Darmon © Andreia Merca
Do mapa da tour faz parte o número 159 da R. de Cedofeita, casa onde viveu e faleceu Carolina Michaëlis (1851-1925), e que hoje é um alojamento local. Uma placa, no alto, pouco legível, assinala a vivência ali da romancista, filóloga, lexicógrafa e historiadora.
“A Carolina Michaëlis é um contraponto que consideramos positivo em termos de representação [das mulheres] no espaço público porque, de facto, a casa onde ela viveu tem uma placa, reconhece-a como “insigne cidadã”, frisa Isabeli, referindo que também a escola com o seu nome tem um busto “com a representação da sua idade, mais madura, com rugas e expressões faciais em oposição à idealização de beleza”. A ativista sublinha ainda que, na toponímia da cidade, Carolina Michaëlis é “um dos poucos nomes [femininos] que correspondem a figuras reais”, sendo que os restantes são nomes de santas católicas, e acrescenta “um facto curioso”: na listagem de todos os nomes das paragens de metro é o único nome de uma figura feminina real.
Isabeli frisa, ainda, que “o movimento de tributo ou reconhecimento na toponímia para mulheres ‘reais’ é recente”. “Como consequência, muitos desses tributos se encontram geralmente em áreas periféricas da cidade e não correspondem a ruas e equipamentos de muito destaque na trama”, refere, acrescentando que se continuam a observar “representações femininas enquanto alegorias, muitas vezes representadas de forma sexista, ou exageradamente sexualizadas sem necessidade”, como é o caso de Amores de Camilo, do escultor Francisco Simões, em que Ana Plácido é representada muito jovem e nua.
A estátua Amores de Camilo, no Largo Amor de Perdição, é, precisamente, um dos pontos de paragem da Tour Feminista do Porto porque "permite discutir a representação das mulheres no espaço público e ao longo da História da Arte", como nos explica Isabeli. Para conferir no vídeo abaixo.
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