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Conjugar o Porto
"Destrocar" com Peter Castro
Entrevistas
Conjugar: Destrocar com Peter Castro

Não é possível falar de Peter Castro sem primeiro listar todas os chapéus que usa. É membro fundador do coletivo Pyrats, responsáveis pelas festas mais sonantes da cidade: o tributo a divas da Beyoncé Fest, o throwback aos 00s de Hollaback, o empoderamento de Baddies ou o baile funk de Batidão. Aconselha multidões sobre dilemas emocionais e escatológicos com a personagem de Dr. Love, nas redes e ao vivo. Pelo caminho, escreveu um livro sobre os anos 20 do século XX, trabalhou num armazém em Brixton, e concluiu uma licenciatura em Cinema. Fomos descobrir o que empurra alguém a “destrocar” em tantas denominações.

Encontramo-nos com Peter no Maus Hábitos, que por estes dias é praticamente a sua segunda casa. Em dia de espetáculo ao vivo de Dr. Love, a sala de espetáculo habitualmente nebulosa e densa com ar partilhado encontra-se iluminada por um sol de verão e bafejada por uma brisa que só um quarto andar no topo de uma colina pode ter. Sobre esta profusão de papéis e projetos, resume que “tenho que estar sempre a produzir alguma coisa, desde criança. Às vezes tenho que me policiar para poder parar, estou sempre a criar alguma coisa, por mais mínima que seja”.


Quando lhe perguntamos se se vê como um homem do renascimento, a resposta de Peter é rápida: “um homem do novo renascimento, talvez.” Não se trata aqui de uma obsessão com o que é mais recente ou mais trendy, porque o próprio confessa uma devoção à História: “Eu não acredito que a História se repete, mas acho que a humanidade reage de maneiras parecidas a eventos parecidos. Há sempre ciclos que se repetem”. E a História acabou por ser uma muleta no período de pandemia: “estudei a gripe espanhola, como as sociedades e as pessoas reagiram, e isso foi uma coisa que me acalmou muito.”

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Esse período, os anos 20 do século passado, acabou por gerar um fascínio especial: “o séc. XIX acaba ali, estava a cair aos pedaços e há um choque enorme a nível global. Desse choque nascem muitas coisas: o cinema, a aviação, o carro pessoal, a autoestrada, o rádio. A emancipação feminina e as primeiras discussões sobre comunidades LGBT acontecem nesses anos 20, é fascinante”. Este mergulho na História por via da gripe espanhola foi parte da terapia para lidar com a pandemia. Outra grande parte dessa terapia foi a Peter Castro TV. Para alguém que “tem que estar sempre a produzir alguma coisa”, a perspetiva do confinamento era assustadora. Assim, surge a ideia de começar a fazer pequenas rábulas de um suposto canal de televisão. Encarnando todas as personagens, Peter fazia a meteorologia, análise política, telenovelas e, sim, conselhos amorosos. Nessa altura em que todos tínhamos um pouco de criadores de conteúdo, estes artefactos eram difundidos no Instagram — ferramenta que Peter usava há muito para divulgação de festas na cidade (antes da Pyrats, era público assíduo das festas do coletivo Thug Unicorn).

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© Andreia Merca

Hoje, fala de Dr. Love com humildade, chamando-lhe “um epifenómeno que foi criado no contacto com o público”. “Esta personagem vem de um lugar sem nenhum tipo de pretensiosismo, eu começo sempre por dizer que, ali, não sou nada: nem psicólogo, nem médico, nem coach. Falo com as pessoas como se estivesse a falar com os meus amigos.” Assim, diz não sentir nenhum peso de responsabilidade com os conselhos que dá, uma vez que quase nem vê Dr. Love como uma personagem — “aquele sou eu, eu falo assim. E partilho aquilo que eu acho, esteja certo ou errado. Às vezes até só digo merda. E ainda bem, porque isso também é bom para mostrar às pessoas que eu não estou ali para ser infalível”.


A mecânica das “consultas” do Dr. Love é simples: o público faz perguntas anónimas sobre sexualidade e sentimentos — no Instagram, por mensagem, ao vivo, através de notas escritas recolhidas antes do início do espetáculo — e Peter responde, sem complexos, com a sua opinião. As dúvidas vão de questões de etiqueta durante o sexo oral até dúvidas sobre se determinados comportamentos de um parceiro poderão indiciar manipulação emocional ou bullying. Há aqui uma mística de “revista Maria”, que o próprio Peter reconhece, e que no fundo se prende com o facto de “serem temas que neste país ainda são muito refratários. Os portugueses ainda são muito ligados a certos estigmas criados pela cultura judaico-cristã. Os países latinos em geral têm uma certa psicose com o sexo, porque por um lado têm sensualidade à flor da pele, mas por outro têm os estigmas da vergonha, do pecado”.

A questão da responsabilidade acaba por ter uma certa nuance. Porque Peter quer ajudar a criar um pouco de “noção”: “Eu lembro-me de em adolescente tudo ser um horror, tudo ser muito grave, as emoções eram muito pesadas. Então aqui também aproveito para ajudar os adolescentes a desmistificar certas coisas, e sempre apelar ao sexo seguro”. Não que a desmistificação seja uma necessidade apenas dos adolescentes: “os mais velhos também têm muita dificuldade em falar sobre sexo, e isso tem que acabar. É uma paranoia que destrói relações e casamentos”. Refere que já recebeu mensagens de casais a dizer que os conselhos os ajudaram, e “às vezes com coisas microscópicas, estás a ver? Por exemplo, fazer sexo de pé. É básico, é absolutamente básico, mas é uma novidade para muitos casais que não arriscam”.


Recebe frequentemente críticas, como seria de esperar ao lidar com estes temas. Mas estas não o incomodam de todo, porque desde cedo que não se preocupa de todo com a forma como é visto: “Eu lembro-me do meu avô, e de algumas atitudes punk que ele tinha que eu achava fantásticas. Era um senhor completamente normal de Gaia, mas tinha uma alma punk. Não se importava com o Natal, porque podia ‘comer bacalhau sempre que me apetecer’. Se alguém lhe desejava um feliz aniversário ele dizia que ‘os parabéns se davam aos bebés, não a homens que estão a morrer’. E poderia decidir nem ir ao funeral de um amigo, porque ‘ele também não vai ao meu’”.

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Apesar de toda a intensa atividade que desenvolve na cidade do Porto, continua a ter carinho pela cidade natal, Gaia. E quando fala sobre as duas cidades, é (como sempre) sem complexos: “Gaia é o dormitório das pessoas que fazem o Porto. Porque no Porto vive pouca gente, esta cidade é trabalhada por pessoas que moram em Gaia.” Resume: “Gaia é um ninho, sabes? É um sítio onde há calma, onde há serenidade. É um subúrbio, muito tranquilo.” Ainda assim, o Porto é a cidade onde toda a gente vai destrocar: “O Porto é onde a vida acontece.”

por Ricardo Alves

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© Andreia Merca

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