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O Hotelier é Paula Lopes, e Paula Lopes é o Hotelier. A confusão instala-se da maneira mais orgânica possível: a multifacetada portuense sempre se estendeu por várias formas de expressão artística, mas todas elas encontraram uma casa na Rua Anselmo Braamcamp. Hoje, o Hotelier é (re)conhecido como um espaço de concertos de música alternativa, estando a caminhar para a centena de concertos realizados na rubrica “Concertos na Piscina”. Mas fomos descobrir o que mais reside neste atelier que aceita hóspedes sem reservas.
O mito mais replicado sobre o Hotelier é que os concertos acontecem numa piscina seca, num espaço que já foi hotel. Essa não foi uma das muitas vidas passadas deste piso térreo, embora uma rampa que leva a um espaço aberto pintado de azul possa dar azo a essa interpretação. A rampa deve-se a uma anterior ocupação por uma garagem mecânica de motociclos. Já o azul foi a primeira intervenção de Paula Lopes aquando da mudança para o espaço, em 2016. Naquele espaço em branco, cheio de possibilidades, o companheiro de Paula sugere-lhe fazer ali uma piscina, para aprender a nadar. “Credo, nem pensar” foram os termos exatos da reação da proprietária porque “não era nada ecológico”. A parede foi, então, ironicamente, pintada de azul, dando alusão a uma piscina seca. Até porque qualquer bom hotel costuma gabar-se de ter a sua piscina. Encontra-se por perto o elevador, igualmente falso, abrindo para uma casa de banho. Ambas as intervenções dão pistas da ironia muito presente neste e noutros projetos que gravitam ao redor do Hotelier.
Esta mudança para o novo espaço vai acontecendo enquanto decorria o fim do Miss’Opo – Paula Lopes geria esse restaurante em pleno coração da Baixa desde 2011. “Na altura, não havia turismo”, recorda. “Lembro-me que no primeiro ano até fechámos em agosto, mas no ano seguinte agosto já foi o mês com mais movimento.” Contudo, isso não era de todo o que Paula estava à procura: “Há muito desrespeito dos turistas por quem mora ali. Em 2020, já estava farta, e acabei com o restaurante. Acho que agora aquela zona está um pouco melhor, mas se calhar também acho isso porque já não ponho os pés na Baixa (risos).”
© Inês Aleixo
© Inês Aleixo
O Hotelier começa antes desta fuga, em 2016, sendo inicialmente o atelier de trabalho de Paula Lopes. Essa função não se perdeu, mas com o passar dos anos foram-se acrescentando cada vez mais camadas. Fizeram-se alguns concertos, mais por carolice e vontade de divulgar aquilo de que gosta, e nunca por um modelo de negócio. Entre os períodos de confinamento, os músicos Pedro Melo Alves e a Inês Pereira propuseram programar ali alguns concertos de improviso, ciclo de música intitulado “Nada na Piscina”. “Eu achei aquilo espetacular, e a partir daí comecei a fazer programação musical.” Este agarrar e fazer está presente no método de Paula Lopes, que se afirma “numa procura constante”. Logo, está também presente no perfil do Hotelier.
Quando surge a oportunidade deste espaço ser um ponto de recolha do projeto Fruta Feia, Paula parte daí para a criação da “Buchas às sextas-feiras”, aproveitando as frutas e legumes para os seus pratos. Acrescentando ao desafio, decide fazer também receitas veganas, apesar de pessoalmente não seguir essa restrição alimentar: “Tudo o que faço é por improviso, por intuição. Nunca sigo receitas”. À entrada, também é possível ver algumas peças de roupa em exposição. Conta com peças em segunda mão, mas também com algumas peças desenhadas e construídas por si, como os cobertores convertidos em casacos – batizados como “cossacos” – e um modelo mais recente, uma espécie de colete a que chamou de “valete”. Nessa mesma entrada, é possível encontrar uma instalação néon em círculo – a forma remete para o nome “Círculo Constante”, um espaço web que procurava ser agregador de todos estes projetos e mais alguns. Mas é apropriado que a materialização desse círculo esteja agora à entrada de um espaço que parece feito para a circularidade, para loops em que quem vem deixa um pouco de si no próximo ciclo.
© Inês Aleixo
© Inês Aleixo
A piscina seca continua a encher-se de ondas sonoras com os “Concertos na Piscina” – programados por Paula Lopes, mas onde participam nomes como Paulo Vinhas e Carlos Milhazes, da Matéria Prima, ou Francisco Pedro Oliveira da Sonoscopia. Já a rubrica de música ambiente “Cloro” tem quase sempre curadoria externa de Louis Wilkinson ou João Soares. E são ondas que reverberam: “Já me disseram que ouviram falar do Hotelier em Bruxelas, Berlim, Itália, Argentina e noutros cantos do mundo. Eu sinto que isso mostra que as pessoas se sentem confortáveis aqui.”
por Ricardo Alves
© Inês Aleixo
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