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É na Casa das Virtudes, uma residência solarenga do séc. XVIII, que, desde 1963, está sediada a Cooperativa Árvore. Os seus fundadores eram artistas, pintores, escultores, escritores, arquitetos e intelectuais que queriam criar condições para “a produção cultural, de forma livre e independente”. “Na altura, o Porto tinha só uma galeria de arte para exposições. Eles queriam um espaço para poder criar e expor com todos aqueles ideais próprios da juventude e daquela época dos anos 60”, conta Manuel de Sousa, diretor executivo da cooperativa, vincando que “é difícil falar sobre a história social e cultural do Porto nos anos 60, 70 e 80 sem referir a Árvore”.
José Rodrigues, Ângelo de Sousa, Armando Alves e Jorge Pinheiro, os chamados “quatro vintes”, são apenas alguns dos artistas de renome ligados à história desta cooperativa artística que iniciaram este processo de renovação que se intensificou com o despontar da democracia em Portugal. É a 10 de junho de 74, dois meses depois do 25 abril, que um grupo de intelectuais ligados à Árvore, mas também ao Teatro Experimental do Porto, à Seiva Trupe e ao Cineclube do Porto, se juntou na Casa das Virtudes e “iniciou uma procissão chamada ‘Enterro do Museu Soares dos Reis’, que terminou precisamente no museu, que representava o reduto do academismo”, diz Manuel. Tratou-se de um movimento simbólico de protesto, um ato performativo dos artistas que queriam “o enterro do academismo”. “Esses artistas queriam pôr fim à repetição, até à náusea, dos modelos tradicionais do século XIX, e queriam rasgar novos horizontes para a arte. É este movimento que dá origem, em 1976, ao Centro de Arte Contemporânea que, por sua vez, mais tarde, deu origem a Serralves”, conclui o diretor executivo.
© Rui Meireles
Nos últimos anos, são muitos os espaços expositivos e galerias autogeridos por artistas que têm vindo a aparecer no Porto e acompanhar estes movimentos “também é um desafio” para a Cooperativa. “60 anos depois da sua criação, a Árvore é uma instituição tão tradicional como, se calhar, com uma perspetiva crítica, era o academismo nos anos 60”, comenta o diretor executivo e acrescenta: “A rebeldia é uma parte importante da arte. Como continuamos ‘rebeldes’ aos 60 anos?”
© Rui Meireles
Nos últimos anos, são muitos os espaços expositivos e galerias autogeridos por artistas que têm vindo a aparecer no Porto, e acompanhar estes movimentos “também é um desafio” para a Cooperativa. “60 anos depois da sua criação, a Árvore é uma instituição tão tradicional como, se calhar, com uma perspetiva crítica, era o academismo nos anos 60”, comenta o diretor executivo. À frente da cooperativa desde novembro do ano passado, Manuel afirma que a Árvore enfrenta “os desafios próprios de uma entidade que tem 61 anos”. “O desafio que temos pela frente é continuar a fazer com que seja relevante para as novas gerações de artistas, conseguir rejuvenescer os cooperadores”, ou seja, captar sócios mais jovens; e desenvolver “iniciativas que os atraiam de forma que vejam que esta cooperativa continua a fazer sentido, e que continua a ajudá-los a crescer e a progredir.”
Foi precisamente com este intuito que foi criado, em 2021, o Prémio Árvore das Virtudes, dirigido a pessoas que estão a terminar a sua formação nas artes e que podem expor os seus trabalhos na instituição. Este concurso, que vai agora na quarta edição, conta com o apoio de uma seguradora que segura obras de artes e que oferece ao vencedor um prémio de aquisição no valor de três mil euros. Este ano, concorreram mais de 60 artistas, tendo sido selecionados 46, cujas obras estão em exposição até final de novembro. A obra vencedora desta edição foi Rute Pereira com a pintura a óleo “Uma fome sem fim”.
Outra iniciativa acabada de lançar e que pretende atrair artistas das novas gerações é o programa JCA-25 – Jovens Criadores na Árvore 2025, que visa proporcionar a cinco artistas entre os 18 e os 35 anos a possibilidade de organizarem a primeira exposição individual na Árvore. As candidaturas decorrem até 15 de novembro. “Normalmente, os jovens artistas quando começam a sua carreira participam em exposições coletivas, e a primeira exposição individual marca um bocado a ‘maioridade do artista’”, afirma Manuel, acrescentando que a Árvore acolheu a primeira exposição individual de muitos artistas consagrados, como é o caso de Armanda Passos.
Na Árvore, há sempre alguma exposição a decorrer. “Como somos uma instituição que conta com uma cerda idade, temos um lastro tradicional grande, artistas na casa dos 80, 90 anos, e temos uma programação que tenta agradar a várias gerações”, afirma o diretor executivo. “Por um lado, temos exposições, como as que aconteceram este ano, de artistas consagrados como o Victor Costa e o Zulmiro de Carvalho; e no próximo ano vamos ter uma exposição do Armando Alves, que vai fazer 90 anos. Por outro lado, há uma tentativa de termos novos artistas, como a Beatriz Albuquerque, uma performer com uma grande presença em países como França ou Estados Unidos da América, onde viveu”, conta Manuel.
Além das exposições, há cursos livres dirigidos a um público alargado, nomeadamente oficinas de cerâmica, de desenho e de pintura, que decorrem ao longo do ano com um artista credenciado, e durante o verão também há cursos dirigidos aos jovens.
© Rui Meireles
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A Árvore tem, ainda, uma oficina de cerâmica e uma oficina de serigrafia que funcionam diariamente, com técnicos especializados, e que estão constantemente a produzir peças. Além disso, acolhe iniciativas como lançamentos de livros, palestras e mesas redondas, e é responsável pela edição de livros. “Há sempre esta preocupação de ter essa dinâmica cultural”, assegura o diretor executivo.
Com mais de 900 cooperadores, esta cooperativa quer continuar a crescer e a rejuvenescer. Para ser cooperador não é necessário ser artista, basta ser “simpatizante da causa”. O novo membro tem de pagar 50 euros de capital social, tornando-se, assim, coproprietário da cooperativa; a quota mensal custa cinco euros. “A quota está estabilizada desde o tempo do escudo; eram 1000 escudos, e, em 2002, passou para cinco euros. Os estudantes pagam apenas metade”, diz Manuel de Sousa.
Cerca de um terço dos membros da Árvore são artistas, e “há cada vez mais ‘sócios’ estrangeiros, o que tem que ver com a mudança do tecido social”. “Há uma percentagem significativa de sócios originários do Brasil”, refere o diretor executivo.
Os cooperadores têm desconto de 10% em todas as obras vendidas nas exposições e na loja da Árvore, bem como nos cursos livres que decorrem nas oficinas. E têm ainda uma oferta especial: no final de cada ano, cada cooperador recebe uma serigrafia ou uma obra produzida na oficina de cerâmica, cujo valor comercial ronda os 100 euros.
Do ponto de vista financeiro, a Árvore tem as raízes “bem firmes”. Quando foi criada, em 1963, o palacete estava devoluto. Os seus proprietários concordaram em arrendá-lo “por um preço simbólico em vez de estar ao abandono e à mercê do vandalismo”. Mais tarde, já nos anos 80, fruto de um grande esforço financeiro, foi adquirido pela cooperativa, garantindo “alguma estabilidade”, já que permite arrendar parte das instalações à Escola Árvore, bem como ao concessionário do restaurante e da esplanada. “Sabemos que não vamos ser corridos, ao contrário do que acontece com muitas pequenas associações.”
por Gina Macedo
© Rui Meireles
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