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A associação A PiSCiNA inaugurou no final do ano de 2022, fazendo uso de uma antiga piscina do Sport Club do Porto, na Rua de Santa Catarina. No tanque vazio, entre a pastilha azul, as aulas e espetáculos de dança contemporânea têm vindo a multiplicar-se exponencialmente, tornando um envelhecido espaço de desporto num pulsar de criação e reivindicação. Falámos com a equipa sobre como conseguem manter o fôlego com todas as braçadas que têm dado.
A imagem da piscina vazia funciona quase como um augúrio lynchiano porque, afinal, tudo começou com uma lacuna, uma ausência. No ano de arranque do projeto, Maria Inês Silva, criadora, intérprete e professora de dança, tinha regressado recentemente ao Porto depois de uma temporada em São Tomé e Príncipe. Num projeto de envolvimento com a comunidade, promovido pela Associação Napalm, conheceu a atriz e encenadora Eduarda Alves e a criadora e bailarina contemporânea Lea Siebrecht. Em comum, tinham a frustração de não encontrarem na cidade um espaço que pudessem usar para a sua prática, um linóleo que pudessem chamar de seu – e, simultaneamente, detetaram uma ausência de espaço dado a artistas que trabalhavam mais nas margens do circuito estabelecido.
© Renato Cruz Santos
A busca por esse tal espaço físico e programático não começou da maneira mais fácil. “Estávamos a sair de uma pandemia, as condições não eram as melhores, não havia dinheiro, não havia recursos. Mas, quase por acaso, uns amigos falaram-me deste espaço e, assim que cheguei, não tive dúvidas”, conta Maria Inês. “Sentíamos as três alguma revolta por estarmos já há algum tempo a trabalhar como freelancers, e a depender de apoios para que nos abrissem uma porta. Então, decidimos nós abrir a nossa própria porta”, acrescenta. Essa revolta foi condimentada também com fúria de criar: “depois de passarmos pela pandemia, percebemos o que é ficar paradas, e percebemos que não tinha nada a ver connosco. Procurar e fazer também foi um mecanismo de lidar com isso”, sublinha Eduarda.
© Renato Cruz Santos
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A frustração e revolta verteram-se num trabalho de alegria: o espaço vazio da piscina tem vindo a ser preenchido com uma programação que, tendo como centro de gravidade a dança, traça órbitas audazes – as aulas de dança coabitam com as conversas, que ocupam o mesmo espaço de aulas de defesa pessoal queer; e oficinas de interpretação estão ladeadas por estreias de performances. Ao longo deste percurso, a relação com o Sport Club do Porto adensou-se e, mais do que apenas arrendatária, A PiSCiNA é agora um projeto artístico integrado na Secção Cultural dessa associação centenária.
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Este percurso traçou-se incrementalmente, sendo que, segundo Maria Inês, “a primeira vez que [se intitularam] de espaço de programação foi há um ano”. “Mesmo para nós, foi um descobrir do que éramos – as pessoas catalogavam-nos e isso ia-nos abrindo os olhos. Este contacto com o público teve um papel muito ativo na forma como nos criamos e moldamos; as pessoas sentem muito A PiSCiNA como um espaço coletivo, um espaço participado”. Talvez um episódio evocativo desta rede onde artistas e público se confundem aconteceu com a Cápsula, uma open call para projetos artísticos embrionários em que, após a seleção dos projetos vencedores pelo júri, os artistas tinham ali disponível um espaço de trabalho e ajudas de custo para, no final, poderem fazer a sua apresentação – com um detalhe: estas apresentações seriam seguidas de uma conversa com o público, em que os artistas seriam confrontados com a forma como a obra foi recebida e interpretada. Maria Inês acredita que este facto “torna os projetos muito mais sólidos”. “O artista ser confrontado com o público tão cedo no seu processo é um privilégio. Nós estamos sempre a criar de porta fechada; é bom haver esta influência brutal de um público que questiona, que está presente.”
Logo no primeiro mês de atividade tiveram uma performance de Rui Paixão, artista de novo circo que integrou já o Cirque du Soleil, que, recordam, “foi o nosso padrinho logo no início, que nos disse ‘vocês precisam de ajuda, eu vou lá, faço-vos um workshop e não cobro nada, o dinheiro fica todo para vocês’”. Volvidos mais de dois anos, e pela primeira vez, a atividade da associação já não depende apenas de recursos próprios, tendo vencido o Criatório (concurso municipal de apoio à atividade artística). Maria Inês acredita que “o dinheiro chegou no momento certo”, uma vez que o longo período de atividade “em pura sobrevivência” obrigou a equipa a “jogar todas as cartadas que tinha”, mais um fator decisivo para uma autodefinição e criação de identidade.
Agora, com apoio, “há mais compromisso”. “As coisas têm mesmo de acontecer. Já não estás a chamar alguém para vir fazer um espetáculo e receber diretamente da bilheteira; temos de seguir um protocolo de compra de uma obra a um artista, de garantir todas as condições necessárias para que o espetáculo aconteça.” É nesta sequência que a equipa cresce: às fundadoras juntaram-se José Freitas, Guilherme Afonso e António Ónio.
© Renato Cruz Santos
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Já integrada na candidatura ao Criatório, a programação d’A PiSCiNA passa agora por quatro ciclos: Cápsula, recentemente concluído; Brava; Piscina Talks; e, por fim, Piscina Tapes. Brava é um ciclo que Maria Inês considera ser “de artistas que desbravam frentes, sejam elas artísticas ou de representatividade”. “Sinto que as pessoas que convidamos estão na linha da frente de algum lugar. Tivemos, por exemplo, a Aurora Pinho, uma mulher trans que tem ganhado cada vez mais reconhecimento, mas que, apesar de ser uma artista do Porto, atuou pela primeira vez na cidade dela quando veio aqui”. As Talks são sessões de conversas moderadas por António Ónio e com dois convidados – um artista e alguém que trabalha fora das artes. Já as Piscina Tapes são uma montra de vídeo-dança e vídeo-performance, estando neste momento a decorrer uma open call que encerra a 15 de abril. Nesta call, serão selecionados 10 projetos, com difusão no espaço e nos canais d’A PiSCiNA, sendo atribuído ao vencedor um prémio de 500€. Mas mais do que o apoio pecuniário, Lea destaca o facto de serem as pessoas que vêm assistir aos espetáculos que votam e selecionam o projeto vencedor, reforçando esta ligação íntima com o público.
© Renato Cruz Santos
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