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© André Tentúgal
Na noite de 24 de abril, a Avenida dos Aliados acolhe um espetáculo que celebra o 25 de Abril, data que se tornou o símbolo duradouro da luta pela liberdade e pela democracia. Às 22h00, e no ano em que se assinala o centenário de Carlos Paredes, há uma homenagem ao mestre da guitarra portuguesa, seguida de um concerto com a rapper e escritora Capicua. Às 23h40 é a vez do Coral de Letras da Universidade do Porto subir ao palco para interpretar canções de intervenção. As celebrações terminam à meia-noite com um espetáculo de fogo-de-artifício.
A propósito do concerto nos Aliados, a Agenda Porto conversou com Capicua, que acaba de lançar um novo álbum, “Um gelado no fim do mundo”, que vai apresentar ao vivo, assim como algumas surpresas. Fomos falar com esta voz insubmissa sobre as causas pelas quais ainda é preciso lutar, 51 anos depois da Revolução dos Cravos.
Agenda Porto: Há muito por onde escolher para as causas deste fim do mundo. Mas o que te agita a ti?
Capicua: Este disco fala um bocadinho sobre o espírito da época, sobre os grandes problemas e questões do nosso tempo. As canções em si falam sobre as redes sociais, sobre as alterações climáticas, o crescimento da extrema-direita, ou a poesia estar em vias de extinção no mundo da inteligência artificial. O grande guarda-chuva temático é esta sensação de fim do mundo, onde parece que perdemos a capacidade de imaginar o futuro como algo que pode ser positivo. Deixamos de pensar o futuro, de pensar em alternativas à nossa forma de organização social e económica, apesar da que temos ser totalmente insustentável e estar a levar à extinção da espécie.
AP: No entanto, o disco não é apenas sobre o fim do mundo, temos aqui também um gelado…
C: Esse gelado aponta para a pausa que eu proponho fazer, neste disco. Uma pausa para renovar os votos com um lado poético, digamos assim. Com o encantamento, mas também com o espírito crítico, a esperança e com a nossa capacidade de ver a beleza das coisas – e, com isso, recarregar as baterias para a luta.
AP: Portanto, é um convite para diminuir a velocidade antes de agir?
C: Exato. E, simultaneamente, pensarmos naquilo que vamos fazer a seguir, discutir possibilidades à volta da mesa, que é uma coisa que já não se faz. Pensar o mundo e imaginar outras alternativas à forma como nos organizamos, e também, ao mesmo tempo, resgatar um lado poético para que possamos ver a beleza das coisas, ao invés do olhar cínico e meio adormecido em que tudo se banaliza. Aquele scroll infinito em que procuramos o escapismo e a alienação. Esse é um desencantamento que leva a que não tenhamos vontade de nos mobilizarmos e lutarmos pelo mundo.
AP: Tu tens filhos e fazes muito trabalho com crianças. Como é que se fala com os mais jovens sobre estes temas?
C: É muito complexo. Tenho o projeto “Mão Verde” em que eu, o Pedro Geraldo, o António Serginho e a Francisca Cortesão fazemos música ecologista para crianças. E esta geração olha com muito mais urgência para a crise climática do que as gerações anteriores. E o que vês mais frequentemente, até, é os adultos a não quererem falar sobre isto e a preferirem distrair-se com outras coisas – enquanto os jovens pensam nestes temas de uma forma mais pragmática, com mais urgência, com mais necessidade. É angustiante falar sobre estes temas com todas as idades, mas com os mais jovens enche-me de esperança vê-los motivados e mobilizados e muito mais combativos do que as gerações mais velhas.
© André Tentúgal
AP: E porque achas que as gerações anteriores estão mais acomodadas?
C: Acho que também estão um pouco mais sobrecarregadas. Porque o nosso
modo de vida também é muito cansativo, as pessoas trabalham muitas horas. Estamos todos muito cansados, saturados, desconectados. E, lá está, às vezes é difícil de fazer esse processo de reflexão, de parar para pensar noutras possibilidades, de estar aberto a outras sugestões fora da política mainstream.
AP: E sobre o concerto que vais fazer no dia 24, o que nos podes contar?
C: Embora esteja nesta altura a apresentar o disco novo, para o concerto do dia 24, além dessas canções, vou levar as canções mais combativas que tenho, que celebram melhor não só a força insubmissa das palavras, mas também aquelas que celebram a liberdade, as que consumam a liberdade no palco. Vamos ter, também, uma componente visual com vídeos do André Tentugal. E eu acho que este novo disco tem muito que ver com os valores de Abril, e aquilo que está em perigo nos dias de hoje.
AP: E o que é que falta fazer, neste momento?
C: Acho que faz falta nós honrarmos e cumprirmos a revolução que fizemos em 1974, ou seja, continuarmos a respeitar a nossa Constituição, que é bastante boa. Defendermos aquilo que Abril nos deu, que é a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a liberdade – isso já seria espetacular. Mas também trabalharmos para termos um país mais justo e mais igual, com menos dificuldades sociais – e fazer a descolonização que falta fazer, que é a descolonização dentro da cabeça das pessoas.
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