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Ece Canlı prepara-se para lançar o segundo álbum a solo. A investigadora, artista e música emprega técnicas vocais estendidas e eletrónica para criar paisagens sonoras oníricas e imersivas. Conversamos com ela sobre o que dá forma a uma expressão musical que desafia estruturas.
Nascida perto de Istambul, Turquia, a aventura musical de Ece começou de uma forma bastante clássica — nas palavras da própria, “um cliché”. Começa por aprender guitarra aos 12 anos, desbloqueando uma febre pela composição de canções quando o seu pai lhe oferece um pequeno gravador. Estes primeiros exercícios eram sempre construídos nos moldes clássicos de cantautora — exercícios que Ece ainda ouve com gosto, mas a partir de certo momento sentiu “que não sabia onde podia levar mais aquilo”. “Senti-me presa nos formatos e no estilo. Por isso, simplesmente abandonei a guitarra e parei de tocar.”
É quando se muda para a Suécia para prosseguir os estudos em Design que entra em contacto com a música e performance experimental, e tudo muda: “Apercebi-me que era aquilo que eu podia ter feito. Uma liberdade de forma e de expressão. Senti de imediato uma vontade de voltar a tocar, voltar à performance.” Contudo, a guitarra tinha sido deixada para trás há algum tempo. “Estava numa situação em que o único instrumento que tinha comigo era a minha voz.” A partir daí, começa um trabalho de exploração do espectro da voz, não só procurando todo o seu potencial, mas também o que se encontra nos limites dele. “Eu já cantava e conhecia os limites da minha voz, e achei interessante usar também esses limites, perceber porque estavam ali e trabalhar nessa zona.”
© Inês Aleixo
© Inês Aleixo
A esta prática de técnicas vocais estendidas acrescentou a ideia de expressões extralinguísticas: “Quando estava a fazer trabalho de pesquisa na Suécia, tinha de escrever em inglês, e por vezes surgia-me uma palavra melhor em turco. A certa altura perguntei-me o porquê de me limitar na prática artística a seguir apenas uma língua. É sempre possível misturar línguas, e até ir mais além: usar fonemas que sejam evocativos, que tenham mais emoção do que significado estrito.”
Os ingredientes reuniam-se, e apenas faltava um para se formar Ece Canlı como a conhecemos hoje: muda-se para o Porto após decidir prosseguir um doutoramento na Faculdade de Belas Artes. No ano de 2020 surge Vox Flora, Vox Fauna, um álbum que a artista define como sendo “de certa forma, mais mundano, mais presente neste ambiente que nos envolve, cheio de sons que nos remetem para um ecossistema”.
O que separa S A C R O S U N, então, começa logo em 2021, quando um trabalho criativo comissariado pela RAMPA atrai Ece para a corrente de Cosmismo russo no início do século passado — um movimento filosófico que representou uma atração pelo espaço sideral, e pela relação do homem com o cosmos. “Fiquei obcecada com a pesquisa que fui fazendo para essa performance, e aquelas ideias foram ficando comigo. Pouco tempo depois, colaborei num projeto da Mariana Pestana sobre os chamados 7.83 Hz — a ressonância eletromagnética do planeta, inaudível para os humanos.” Assim, S A C R O S U N parte dos cenários orgânicos do álbum que o precede para uma viagem por vibrações, ressonâncias e frequências que evocam a música secreta dos astros.
Mas não é a única coisa que separa os dois álbuns de Ece Canlı. Enquanto em Vox Flora, Vox Fauna, a artista cristalizou os improvisos e trabalho de camadas que vinha fazendo nas performances ao vivo, neste álbum, mais exigente a nível de produção e montagem, a ideia é partir desde o primeiro concerto para uma interpretação livre. “Num concerto, o álbum vai ser sempre transformado. Porque para ouvir um álbum de uma forma linear, há as plataformas digitais. Mas neste álbum em particular estou ansiosa para ver como ele se vai apresentar em palco, porque vai sofrer uma transformação radical — que espero que me traga por sua vez, ainda mais coisas novas.”
© Inês Aleixo
A transformação de S A C R O S U N vai acontecer pela primeira vez já neste dia 15 de novembro, no Passos Manuel, na festa de lançamento. Após o concerto, haverá espaço para três DJ sets: 2rana 3crana (ou Jussi Brightmore, da cena noise britânica), Ângela Louve e Mamma Tehrani. Abaixo, poderão ver o videoclipe para o tema “Persistence of the Circle”, realizado por Francisco Queimadela e Mariana Caló.
por Ricardo Alves
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