PT
O eclético músico belga Manu Louis desafia géneros, mas nem por isso vamos deixar de tentar defini-lo. Estudou com o lendário pianista Fréderic Rzewski, mas cedo se voltou para um electro pop saltitante. Ao comando de sintetizadores e loops lançou três álbuns que variam entre paisagens de languidez de cocktails e sonhos febris jazzy — isto sem abandonar a formação clássica, ocasionalmente compondo música de câmara. Vem ao Porto apresentar o mais recente álbum, “Club Copy”, na Socorro, no dia 4 de dezembro. Falamos com ele sobre cidades onde, teimosamente, a estranheza ainda floresce. No final da entrevista a Agenda Porto estreia o novo videoclipe do artista, realizado por Ruben Marin.
Agenda Porto: Quando descreves “Club Copy”, uma linha forte que usas é a da padronização a que estamos a assistir na vida urbana das cidades. De que forma é que isso entrou na composição?
Manu Louis: Em termos de letra, é tudo baseado nisso. E quanto mais viajamos, mais nos apercebemos de como tudo começa a parecer igual em todo o lado — não só na Europa, mas também no resto do mundo. É deprimente.
AP: E estás numa posição privilegiada para fazer este balanço, porque pertences a três mundos europeus muito diferentes: és originário de Bruxelas, vives em Berlim e passas muito tempo em Valência.
ML: Sim, embora a comida e a língua façam uma distinção superficial entre estes três mundos, a certa altura encontramos ruas com as mesmas lojas, pessoas com as mesmas roupas, todas a ouvir a mesma música. Felizmente, nas três cidades que mencionaste, a subcultura salvou-as. Encontramos estes pequenos oásis de estranheza — tal como no Porto, outra cidade muito dinâmica para isto. Quando as pessoas resistem e tentam inventar outras coisas que não sejam o modelo imposto pelas grandes empresas tecnológicas, para mim, é aí que encontro um pouco de vida humana.
© Dario Laganà
AP: Esse desvio da norma é algo que está um pouco implícito nas subculturas e nas culturas de nicho. Mas vês alguma saída para que a cultura dominante evite essa armadilha de se tornar homogénea?
ML: Penso que a escala dos mercados destrói essa esperança a dada altura. Quanto mais os agentes económicos tentam tornar as suas empresas gigantescas, menos espaço resta para pensamentos ou sentimentos bizarros ou pouco claros. Não está no ADN dos grandes mercados gerar algo com alma. Dito isto, há muita música comercial atual que, comparada com o que se fazia há 15 anos, me agrada muito mais. É mais inventiva. Rosalia, por exemplo, é tão refrescante em comparação com as bandas de rock dos anos 90. James Blake — apesar de ter um sentimentalismo horrível que me causa uma certa náusea —, musicalmente falando, é muito inventivo.
© Dario Laganà
AP: Já tens alguma experiência com o Porto, tendo tocado aqui três vezes. Sentes que a cidade tem conseguido resistir à homogeneização?
ML: Há o aspeto do turismo. Tal como em Valência e Berlim, o turismo fez subir as rendas de forma louca — mas acho que no Porto foi ainda mais rápido, pelo que sei. No entanto, há algo de especial em Portugal que não encontro em mais lado nenhum da Europa. Na maior parte dos outros países, as pessoas têm uma ambição estranha, sentem que têm de desenvolver tudo o que fazem, que as coisas têm de crescer infinitamente. Mas em Portugal, sempre me pareceu que nos pequenos restaurantes e nos pequenos bares as pessoas tinham menos ambição de crescer — a sua única ambição seria que a comida ou o serviço continuassem a ser tão bons como sempre foram. Se nos concentrarmos apenas em crescer e otimizar, as coisas nunca terão a qualidade que tinham. Penso que Portugal tem sido menos afetado por esta ambição capitalista do que outros países da Europa.
AP: Isso traduz-se na cena musical?
ML: Estou muito bem impressionado com a cena musical e com a organização musical, especialmente no Norte de Portugal. Há uma quantidade louca de pequenos grupos que organizam concertos de música aventureira, de jovens que fazem isto por paixão e não com o lucro em mente. É realmente impressionante porque não se encontra nada disso em Espanha. A Sonoscopia no Porto ou o gnration em Braga são apenas dois exemplos disso.
AP: Por falar em Espanha, como está a situação após as cheias?
ML: Há muita solidariedade, muita mesmo. Toda a gente veio ajudar nas limpezas, fazer comida ou transportar coisas. Há muitos problemas com a forma como as autoridades estão a gerir a crise. Mas as pessoas fizeram um trabalho enorme a ajudarem-se umas às outras, foi bonito de ver.
AP: E o que podemos esperar do teu espetáculo no Porto?
ML: Vou trazer as projeções, os efeitos visuais. Vai ser sobretudo sobre o “Club Copy”, mas estou a escrever muito depressa neste momento — escrevo uma canção nova por semana — e vou ter três, se não quatro, canções novas, que são os ingredientes de um novo álbum que deverá estar pronto este inverno. Desta vez, estou a tentar tocar as canções ao vivo antes de as gravar, porque quero que a canção viva um pouco antes de se transformar num disco.
AP: Isso é curioso. Nunca tinhas tocado canções inéditas ao vivo?
ML: Fiz isso muitas vezes com a minha banda anterior, Funk Sinatra, por isso não é novidade. Mas com a eletrónica e as coisas a solo que estou a fazer, nunca toquei ao vivo temas inéditos.
© Dario Laganà
AP: Achas que tocar o próximo álbum ao vivo vai influenciar a sua forma final?
ML: Sem dúvida que sim. Quer dizer, já estou a tocar três canções ao vivo e isso já mudou a sua estrutura com base na forma como senti que a canção funcionava ao vivo. Ganhamos uma perceção muito diferente ao ter o público presente a dar-nos um feedback direto sobre a canção. Percebemos melhor como é que a sua estrutura funciona; se o tema é demasiado longo ou demasiado curto, ou se não dizemos o suficiente.
por Ricardo Alves
Partilhar
FB
X
WA
LINK
Relacionados