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Reportagem
Para lá da imaginação
Três livrarias infantis independentes no Porto
ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Papa-livros - Livraria e Galeria © Inês Aleixo

Capas coloridas, ilustrações que saltam das páginas e histórias que nos convidam a imaginar (sem limites) – esta é a proposta não só para os mais pequenos, mas também para os adultos que se deixam encantar pelos livros ilustrados. São livrarias infantis independentes, cada uma com a sua personalidade e história, com um denominador comum – transmitir o gosto pela leitura. Papa-Livros, Ave Azul e Salta Folhinhas são refúgios para quem acredita que os livros nos abrem as portas da percepção e nos ajudam a compreender melhor o mundo. A Agenda Porto foi conhecer estes espaços, deixou-se encantar por narrativas visuais e poéticas e falou com quem lhes dá vida.

Papa-Livros, Livraria e Galeria


O livro como espaço de descoberta

A Papa-Livros nasceu, em 2007, da necessidade de mudança da sua fundadora, e inspirada nas livrarias inglesas “muito íntimas e quentinhas, à imagem de um conto de fadas”. Antes de abrir a livraria, Adélia Carvalho era educadora de infância e trabalhava diariamente com livros. A rotina apertada do ensino e a falta de colocação deram-lhe a força necessária para criar um espaço onde pudesse partilhar o seu amor pelas histórias e, ao mesmo tempo, manter-se perto das crianças. “Estava cansada da rotina escolar e queria algo que me desafiasse intelectualmente”, conta.


O espaço da Papa-Livros reflete esse desejo. É uma livraria e é, também, uma galeria onde a ilustração ocupa um papel central. Aqui, os livros estão expostos como numa galeria de arte, virados de frente para que as crianças reconheçam as suas capas – uma abordagem pensada para estimular os mais pequenos. “Eu brinco e digo que isto foi o primeiro Instagram do mundo”, ri-se. “Os pré-leitores não sabem ler, mas reconhecem o livro pela capa. Então, têm de os conseguir ver!”

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Adélia Carvalho, Papa-Livros © Inês Aleixo

Na Papa-Livros, os leitores são pequenos exploradores guiados pelas histórias e pelo conhecimento de quem os aconselha. Os pais, muitas vezes, chegam à procura de respostas para os desafios da infância. “O que recomendamos depende sempre da criança, daquilo que a inquieta. Há livros para medos, para a aceitação da diferença, para falar da morte... e há pais que só percebem a força das histórias quando as leem com os filhos.”


A livraria também se tornou o ponto de viragem no percurso de Adélia enquanto escritora, que está nomeada para o prémio literário Astrid Lindgren 2025. “O contacto diário com os livros foi essencial para perceber o que funciona e o que não funciona na escrita para crianças”, assegura Adélia, que é a cofundadora da Tcharan, uma editora que se dedica principalmente à publicação de livros ilustrados, destinados em especial ao público infanto-juvenil.


“Foi muito importante para mim ter um espaço literário para perceber ainda mais o que é a escrita e a literatura para a infância. Permitiu-me ter mais contacto com os meus pares, outros escritores, e proporcionou-me conversas muito ricas.”


Todo este contacto com a crítica e com os livros levou-a a refletir sobre a diferença entre a literatura e os livros pedagógicos. “Cada um tem o seu lugar, a literatura não pode ter a pretensão de educar; depois, pode estar ao serviço disso, mas não surge com esse objetivo, se não perde carga literária”, defende.


A Papa-Livros não tem uma agenda fixa de eventos, mas, de tempos a tempos, abre as portas para apresentações de livros, oficinas, encontros com escritores e sessões de contos porque a magia das histórias acontece, muitas vezes, quando as contamos em voz alta.

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Papa-livros © Inês Aleixo

Adélia Carvalho sugere três livros para ler em família no mês de abril:

Outra Coisa,

de Katya Adaui


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

O meu principezinho,

de Adélia Carvalho


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

A minha pessoa preferida,

de Kiara Terra


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Ave Azul


“Nunca é tarde para um livro ilustrado”

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Ave Azul © Rui Meireles

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Maria Inês Gomes - Ave Azul © Rui Meireles

A Ave Azul é uma livraria jovem, mas com raízes profundas. O nome é uma homenagem à revista literária e de crítica de arte Ave Azul, publicada em Viseu entre 1899 e 1900. “O azul estava muito conotado com a luta republicana. Ana de Castro Osório, que escreveu para a revista, ficou conhecida pela sua luta pela paz, pelos direitos das mulheres e pelo direito à educação”, conta a livreira Maria Inês Gomes. “No final do século XIX, a alfabetização era um privilégio. Estas mulheres lutavam para que todas as crianças pudessem ter acesso à escola. Hoje, damos isso como garantido, mas acho bonito recordar esse passado”, sublinha.


O espírito daquela publicação reflete-se na livraria que abriu portas em 2022 pelas mãos desta professora de Filosofia que se apaixonou pela literatura ilustrada quando trabalhou numa livraria infantil, “para tapar buracos, enquanto não arranjava colocação numa escola”.


Foi nesse período que percebeu como os adultos, a certa altura, se afastam dos livros ilustrados. “Acho que todos temos um divórcio com os livros infantis. Crescemos e achamos que já não são para nós, mas se por um acaso voltamos a encontrá-los, percebemos que fizemos mal em deixá-los para trás”, reflete.

A Ave Azul desafia essa “separação” imposta pela idade. Aqui, um livro ilustrado pode encantar uma criança de cinco anos, mas também um adulto que aprecia ilustração e narrativa visual. “A literatura ilustrada não é só para crianças; cada vez mais adultos compram estes livros para si próprios, mesmo sem terem um filho ou um sobrinho a quem oferecê-los.”


Maria Inês acredita que a forma como lemos um livro se transforma com o tempo. “Reler um livro, anos depois, pode ter um efeito fantástico. A nossa perceção muda e olhamos para o livro com outros olhos”, assegura. Hoje, há um cuidado especial na ligação entre texto e imagem. “A ilustração desempenha um papel fundamental no livro; também fala através de símbolos, ajuda na integração do texto e permite que as frases sejam mais curtas.”

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Ave Azul © Rui Meireles 

Para Maria Inês, as mensagens dos livros tanto podem ser alegres como tristes. A literatura infantil não deve fugir aos temas difíceis. “Não devemos esconder das crianças aquilo que existe no mundo. Fazer da literatura infantil uma realidade que não existe, quase nem é justo para elas.” Esta livreira defende que a guerra, a política e outras questões da atualidade devem ser abordadas nos livros que lhes são dados a ler.

Neste sentido, a Ave Azul vai assinalar o 25 de Abril com uma seleção de livros que abordam temas políticos. “As questões políticas passam muito por aqui, sem receio de assumir esse compromisso”, afirma, e acrescenta que “precisamos mostrar as coisas como elas são, mas precisamos também de uma pitada de humor e de leveza”.

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Ave Azul © Rui Meireles

A Ave Azul aposta, também, em eventos de narração oral e em oficinas criativas. “O livro tem esta dimensão de partilha, e as horas do conto que fazemos aqui são momentos mágicos. Algumas contadoras são já residentes e criam um laço com as crianças que vêm regularmente.” Além disso, na livraria acontecem também lançamentos de livros e iniciativas como a leitura com ioga.


No dia 5 de abril acontece a Oficina de Primavera com a editora Albana Lima e a Hora do Conto com Teresa Figueiredo. Inspirada pela sua formação em Filosofia, Maria Inês criou, também, a Hora do Contra, uma iniciativa que convida as crianças a pensar e debater temas importantes. O próximo evento acontece a 26 de abril com Maria Inês e com a convidada Sofia Azevedo. Todos os eventos são gratuitos, com inscrição até dois dias antes da data.

Maria Inês Gomes sugere três livros:

O Horizonte,

ilustração de Carolina Celas


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

O ponto em que estamos,

de Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Os Pássaros, de Germano Zullo e

ilustração de Albertine


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Salta Folhinhas


O livro, a memória e o valor da proximidade

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Salta Folhinhas © Inês Aleixo

Se há um nome que já faz parte da memória literária do Porto é a Salta Folhinhas. Aberta há mais de 20 anos por Teresa Cunha, a livraria já mudou de morada, adaptou-se aos tempos, mas continua firme no seu propósito: dar a conhecer as histórias que habitam os livros.


Formada em engenharia eletrotécnica, foi através dos livros que lia aos filhos que redescobriu o gosto pela literatura infantil. “Tirei o curso de engenharia porque o meu pai achava que uma aluna com tão boas notas a Matemática não podia ir para Letras. Trabalhava nisso e sentia-me a definhar todos os dias. Até que decidi ser mãe a tempo inteiro e, mais tarde, abrir a livraria”, conta.


O nome surge de um momento inesperado. Quando Teresa anunciou aos filhos que ia abrir uma livraria, o filho do meio exclamou: “Tem de se chamar Salta-Pocinhas!” – em homenagem ao Romance da Raposa, de Aquilino Ribeiro. O nome foi refinado e, assim, nasceu a Salta Folhinhas.

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Salta Folhinhas © Inês Aleixo

Um espaço pequeno e acolhedor onde os livros não estão organizados de forma convencional. “A minha organização é um pouco desorganizada. Os livros de algumas editoras estão juntos porque têm um estilo muito próprio, como os da Planeta Tangerina. Outros estão por idades. E depois há aqueles que são difíceis de encaixar numa categoria – mas que são imperdíveis.”


Apesar das dificuldades que o comércio local enfrenta, Teresa acredita na experiência única da livraria física. “Há cada vez mais pessoas a comprar livros online, mas aqui basta uma conversa para perceber o que é que o leitor realmente quer.”


O seu papel como livreira também não é impor preferências, mas, sim, ajudar a encontrar o livro certo. “Um dia, mostrei um livro a um pai e ao seu filho; o pai rejeitou-o, queria algo com imagens diferentes. Então, coloquei-lhes vários livros à disposição e comecei a contar a história do livro que ele não quis. A criança ficou fascinada. No final, o pai escolheu um livro e disse que também queria levar o da história que eu estava a contar. Afinal, era o livro que ele tinha recusado.”

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Salta Folhinhas © Inês Aleixo

Tal como Maria Inês, da Ave Azul, Teresa acredita que os livros devem abordar todos os temas, incluindo os difíceis. “Os pais têm muito receio do feio, do grotesco, do mau. Mas as crianças têm essa necessidade.” Muitas vezes, só procuram livros sobre assuntos delicados quando a criança está a vivenciar essa experiência – e, segundo Teresa, esse não é o melhor momento. “Por exemplo, a morte deve ser falada em momentos de felicidade. Porque a criança vai processar melhor. Se estiver a viver a dor, não vai aceitar que lhe falem de uma dor que não é a dela.”


Assim como não devemos ter medo de apresentar vocabulário desconhecido às crianças. “Se as palavras forem usadas no sítio certo, da maneira correta, as crianças assimilam e percebem. E, mais tarde, sem darmos conta, estão a utilizá-las naturalmente.” É o caso do livro O que é um rio?, de Monika Vaicenaviciene. “É um livro que ganhou um prémio de não ficção, tem uma linguagem riquíssima e poética e uma ilustração linda.”


E depois há livros que fascinam os adultos, como um texto dos índios do Norte da Europa, Obrigado, Mãe Terra!, de Vanina Starkoff. “É uma ação de graças à terra, ao mundo. O livro transforma-se num mural com três metros de comprimento. São obras de arte.”

A Salta Folhinhas não é só feita de livros – é um espaço onde a arte visual e a escrita se cruzam. Pelas suas prateleiras e paredes, há ilustrações e marionetas, muitas delas ligadas a contadores de histórias. Nomes como João Sá, Teresa Guimarães, Sofia Paulino e Cláudia Pinheiro têm presença na livraria.


Quem visita a Salta Folhinhas poderá reconhecer esta frase: “Havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas – raposeta, matreira, fagueira, lambisqueira – corria os bosques, farejando, batendo mato, sem conseguir deitar a unha a outra caça...” – Como a pequena raposa de Aquilino Ribeiro, a Salta Folhinhas continua a percorrer o seu caminho – atenta e inquieta, à procura da próxima história para contar.

ABR 2025 Livrarias infantis independentes

Salta Folhinhas © Inês Aleixo

Teresa Cunha sugere os seguintes livros aos leitores da Agenda Porto:

STOP, de Ricardo Henriques e ilustração de Pierre Pratt


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

O gato, o coelho e outros contos tradicionais,

de Adélia Carvalho e ilustração de Anabela Dias


ABR 2025 Livrarias infantis independentes

O que é um rio?, de Monika Vaicenaviciene



ABR 2025 Livrarias infantis independentes

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