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“Isto parece o fim do mundo” é o tema das celebrações dos 80 anos da Cineclube do Porto em que a exibição do filme Dr. Strangelove, a 13 de abril, no Cinema Batalha, se inscreve. Esta sátira política de Stanley Kubrick sobre a Guerra Fria é o filme escolhido para assinalar o aniversário do cineclube mais antigo do país. “Achávamos que tinha de ser um filme impactante, mas que refletisse o que queríamos dizer com a escolha desta temática; ‘isto parece o fim do mundo’ não é um fatalismo, é uma espécie de desabafo”, conta à Agenda Porto a presidente do cineclube, Ana Carneiro.
Para celebrar o número redondo, até ao final do ano, o Cineclube do Porto, que acaba de ser laureado pela Academia Portuguesa de Cinema com o Prémio Sophia de Arte & Técnica, vai andar em itinerância pela cidade a levar sessões de cinema a diferentes locais, estando, também, previsto o lançamento de uma publicação e a dinamização do seu acervo reunido na Biblioteca de Cinema na Casa do Infante. “Temos o nosso acervo que merece ser visto de várias maneiras, e isso também é uma das nossas ideias para este tempo”, refere Ana Carneiro, acrescentando que estão previstas oficinas de ilustração, à semelhança do que aconteceu durante a exposição “Cinema e Revolução”, que terminou em fevereiro.
Ana entrou para o cineclube em 2010, ano em que foram retomadas as sessões regulares no Cinema Passos Manuel, depois de uma década de interregno, tendo, depois, no final de 2013, transitado para a Casa das Artes, onde decorreram até ao final de março. Apesar de estar agora à procura de um novo espaço, a presidente assegura que esta associação cultural, com cerca de 150 sócios “com as quotas em dia”, está de boa saúde. “O cineclube está muito estável; não parece porque vamos sair da Casa das Artes, mas em termos de estrutura, de organização, está muito estável”, afirma. “Acho que é uma boa altura. Passámos aqui 12 anos; agora temos de nos ajustar e nos readaptar, e as perspetivas são boas; temos uma parceria com o Batalha [onde exibem as Matinés do Cineclube em sessões quinzenais, aos domingos de manhã]; e temos a ideia de que vamos ter mais parcerias”, acrescenta, otimista.
Ana Carneiro, presidente do Cineclube do Porto © Rui Meireles
Cartazes de filmes exibidos na Casa das Artes © Rui Meireles
Com um público fiel formado por um “pequeno núcleo de sócios mais antigos, que percebe a importância do associativismo e do cineclubismo”, o cineclube também dá as boas-vindas a novos sócios, tendo vindo “a agregar pessoas jovens, que tenham depois capacidade para continuar”. Contudo, Ana recorda que a pandemia de Covid-19 fez com que o cineclube perdesse público. “Já tínhamos construído o nosso público na Casa das Artes, que era bastante consistente; tínhamos uma média muito boa, mas depois da Covid-19 foi quase um recomeço, e ainda não conseguimos voltar ao número de espectadores anterior à pandemia”, lamenta. “Hoje, a luta é para as pessoas voltarem a ver cinema em sala; com as plataformas, muita gente vê cinema em casa."
Ana Carneiro considera que os cineclubes por todo o país “fazem um trabalho quase de serviço público, sobretudo nas comunidades onde não existem salas de cinema, onde não há tanta oferta cultural”, sendo que o raio de ação do Cineclube do Porto também se estende para além da cidade. Desde o início do ano que leva filmes às escolas da sub-região do Tâmega e do Sousa através do projeto Clubes de Cinema, que terá a duração de três anos e é co-financiado pelo programa Portugal Inovação Social e pelos municípios de Amarante, Cinfães, Felgueiras, Lousada, Pacos de Ferreira, Penafiel, através do apoio da Comunidade Intermunicipal do Tâmega e do Sousa. Trata-se da criação de clubes escolares de cinema com o objetivo de sensibilizar para o fenómeno do bullying e do cyberbullying, contribuindo para reduzir o seu impacto nas comunidades escolares. O projeto envolve, este ano letivo, nove escolas e mais de 150 alunos. “Os miúdos criam o seu próprio cineclube, programam, veem filmes e debatem, é um projeto muito bonito”, defende.
Inicialmente denominado Clube Português de Cinematografia, o Cineclube do Porto foi fundado por Hipólito Duarte no Liceu Alexandre Herculano, em 1945, tornando-se o primeiro cineclube do país. Após a fundação pioneira, o seu trajeto torna-se fulgurante com as suas sessões antirregime. “O cineclube surgiu porque havia uma sede de ver coisas que não se mostravam, e havia pessoas organizadas, com uma visão, que estavam disponíveis para fazer isso, como é o caso do Henrique Alves Costa, que conseguiram ‘diplomaticamente’ levar o cineclube [para a frente]”, afirma a presidente. “Por causa de uma exposição que fizemos, a partir do nosso acervo, encontrei referências a sessões que me pareceram esquisitas, como a exibição de O Couraçado Potemkine… Percebi que, no início dos anos 70, chegavam ao cineclube cópias piratas em Super 8 de filmes proibidos; os cineclubes circulavam estas cópias entre eles e promoviam sessões semiprivadas, clandestinas”, conta.
Documento do acervo do Cineclube do Porto
do acervo do Cineclube do Porto
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