É uma surpresa para quem não fala português que a palavra normalmente utilizada para designar cadena seja “corrente”. Há alguma coisa de contra-intuitivo nesta ideia de deslocação que, por sua vez, denota uma deslocação na própria linguagem. É surpreendente que uma imagem que evoca a subjugação, que simboliza conceitos genéricos como a opressão ou a escravatura e que nos remete para o impedimento do movimento de alguma coisa ou de alguém, partilhe o nome com aquilo que flui, com aquilo que corre. E denota uma deslocação da própria linguagem, dizia, porque é fácil reconstituir, em sentido inverso, a cadeia de fonemas que, na sua transformação progressiva (sound shift, como lhe chamam os linguistas), formam a sua etimologia até ao latim currere e, a partir daí, até à voz *kurs das línguas pré-indo-europeias, ambas designando o simples acto de correr. A deslocação dos sons transformados em palavra ao longo das línguas e dos tempos, leva-nos, invertendo o curso dessa progressão, agora para a frente, por uma inesperada bifurcação, do *kurs e do curro, ao inglês horse. O animal que corre. A etimologia, arqueologia da linguagem, utiliza como material os fonemas, por vezes desligados da sua correspondência com o sentido, ao ponto de revelar uma ligação entre o animal que corre livremente e a corrente que o prende.
Se o significado assenta no signo (na palavra, no fonema, na imagem) por condensação, a linguagem, enquanto motor do pensamento e do desejo, funciona por deslocação. Esta é a diferença entre metáfora e metonímia. O que produz o sentido é o fluxo intangível de um som para outro, de uma forma para outra. O significado não está preso a nenhum ponto específico da corrente, o sentido aparece como um fluxo e só pára, provisoriamente, sob a forma de encontros entre o fluir simultâneo e indiferente da linguagem e do mundo.