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As couves movem-se: uma reflexão sobre a liberdade, a natureza das coisas e a multiplicidade do real
As couves começaram a mover-se! A certeza simples é agitada pela alteração da ordem natural daquilo que conhecemos. Um ser vegetal já não é um ser enraizado, preso ao solo que cresce sob a luz do sol. A sua imobilidade já não define a sua essência: uma existência passiva, submetida ao mundo e ao homem. A que pressupostos conduz?
A primeira consideração é sobre a natureza do movimento e da liberdade. No mundo que conhecemos, o movimento está frequentemente associado à autonomia. Os animais movem-se porque escolhem o seu destino, reagem ao ambiente, adaptam-se e lutam pela sobrevivência. Se as couves podem adquirir essa capacidade, poderemos continuar a tratá-las como meros alimentos? Ou deveríamos reconhecê-las como seres dotados de vontade?
Este fenómeno, obriga-nos ainda a repensar a relação entre a humanidade e a natureza. Dito de outro modo, compele-nos a repensar a dinâmica relacional e as redes complexas de interação existente entre seres humanos e não humanos.
Como sempre se atribuiu aos vegetais um estatuto de seres sem autonomia, não é agora possível ignorá-las enquanto entidades ontológicas. Somos obrigados a reconsiderar essa categorização, expandindo a nossa compreensão do que significa existir e agir no mundo. Se as couves se movem, somos também confrontados com outras possibilidades de configuração identitária e comunitária. Uma redistribuição daquilo que é visível e audível no mundo natural. Ora, o ser humano sempre se viu no topo da cadeia evolutiva, assumindo o direito de colher, plantar, criar e destruir…
Será que apenas perante a evidência das couves conseguirem se deslocar, somos obrigados a admitir que nada é permanente? Que até mesmo aquilo que julgamos fixo pode transformar-se? Que a estabilidade é uma ilusão?
Leibniz, ao defender a ideia de que vivemos no «melhor de todos os mundos possíveis», sugere que a realidade tal como a conhecemos é a melhor configuração possível dentro das leis da natureza e da lógica divina. Mas e se essa realidade estiver em constante mutação? Já que até as couves desafiam a sua própria natureza, não seremos confrontados com a possibilidade de que este mundo, por mais otimizado que pareça, é sempre um projeto inacabado, sujeito a revisões e reinterpretações?
Bauman, argumenta que vivemos num mundo onde tudo está em fluxo constante, onde as certezas se dissolvem e a mudança se torna a única constante. Vivemos num mundo onde tudo se move – átomos, planetas, pensamentos. Apenas as nossas crenças apegam-se à inércia. Isso coloca também em quesito a visão leibniziana do mundo como uma ordem otimizada. Afinal, se até os vegetais se metamorfoseiam de forma inesperada, como poderíamos continuar a acreditar que a realidade segue um plano racional e perfeito? Ora, se já as estruturas sociais e identitárias se transformam, desafiando qualquer tentativa de fixação, também a possibilidade das couves se movimentarem lembra-nos que o que julgamos consistente pode escapar ao nosso controlo.
Rancière sugere que a comunidade não é algo estático, não se estabelece de forma definitiva, mas está em permanente construção, dependendo do dissenso, das diferentes vozes que se fazem ouvir e das formas de organização que emergem em cada contexto.
Se as couves se movem, tal acontecimento, exige uma reorganização da comunidade em termos de inclusão e reconhecimento, e de formas de redistribuição de poder entre seres antes considerados passivos. Se até as couves se movem, somos obrigados a reconsiderar os limites do que entendemos como comunidade e pertença. A comunidade, neste sentido, tornar-se um projeto aberto, um espaço em constante renegociação, onde cada novo elemento introduzido obriga a redefinir as suas fronteiras e significados. As couves, ao adquirirem mobilidade, são um desafio radical à ideia de um mundo ordenado e hierarquizado, forçando-nos a aceitar que a inclusão e a organização social nunca estão concluídas, mas devem ser continuamente repensadas.
Esta perspetiva levanta questões ontológicas profundas sobre a natureza do ser e da realidade. Se existem múltiplos universos com diferentes versões de entidades e fenómenos, como definimos a existência de algo? Por isso, aceitar a mobilidade das couves num universo paralelo, implica aceitar que a sua essência não é fixa, mas sim contingente às leis e condições desse universo específico. Isto desafia a visão da existência de essências imutáveis e sugere que o ser é fluido, dependente do contexto universal em que se manifesta.
Se concebermos uma linha do tempo onde, em determinado ponto, as couves adquiriram a capacidade de se mover, enquanto noutra linha do tempo permaneceram imóveis. Esta multiplicidade temporal reforça a noção de que a realidade não é singular, mas composta por uma teia de possibilidades coexistentes.
Integrar a ideia de mobilidade das couves, embora absurda à primeira vista, convida-nos a questionar as fronteiras da realidade, a estabilidade das nossas crenças e os limites daquilo que julgamos possível.
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As couves movem-se: uma reflexão sobre a liberdade, a natureza das coisas e a multiplicidade do real
As couves começaram a mover-se! A certeza simples é agitada pela alteração da ordem natural daquilo que conhecemos. Um ser vegetal já não é um ser enraizado, preso ao solo que cresce sob a luz do sol. A sua imobilidade já não define a sua essência: uma existência passiva, submetida ao mundo e ao homem. A que pressupostos conduz?
A primeira consideração é sobre a natureza do movimento e da liberdade. No mundo que conhecemos, o movimento está frequentemente associado à autonomia. Os animais movem-se porque escolhem o seu destino, reagem ao ambiente, adaptam-se e lutam pela sobrevivência. Se as couves podem adquirir essa capacidade, poderemos continuar a tratá-las como meros alimentos? Ou deveríamos reconhecê-las como seres dotados de vontade?
Este fenómeno, obriga-nos ainda a repensar a relação entre a humanidade e a natureza. Dito de outro modo, compele-nos a repensar a dinâmica relacional e as redes complexas de interação existente entre seres humanos e não humanos.
Como sempre se atribuiu aos vegetais um estatuto de seres sem autonomia, não é agora possível ignorá-las enquanto entidades ontológicas. Somos obrigados a reconsiderar essa categorização, expandindo a nossa compreensão do que significa existir e agir no mundo. Se as couves se movem, somos também confrontados com outras possibilidades de configuração identitária e comunitária. Uma redistribuição daquilo que é visível e audível no mundo natural. Ora, o ser humano sempre se viu no topo da cadeia evolutiva, assumindo o direito de colher, plantar, criar e destruir…
Será que apenas perante a evidência das couves conseguirem se deslocar, somos obrigados a admitir que nada é permanente? Que até mesmo aquilo que julgamos fixo pode transformar-se? Que a estabilidade é uma ilusão?
Leibniz, ao defender a ideia de que vivemos no «melhor de todos os mundos possíveis», sugere que a realidade tal como a conhecemos é a melhor configuração possível dentro das leis da natureza e da lógica divina. Mas e se essa realidade estiver em constante mutação? Já que até as couves desafiam a sua própria natureza, não seremos confrontados com a possibilidade de que este mundo, por mais otimizado que pareça, é sempre um projeto inacabado, sujeito a revisões e reinterpretações?
Bauman, argumenta que vivemos num mundo onde tudo está em fluxo constante, onde as certezas se dissolvem e a mudança se torna a única constante. Vivemos num mundo onde tudo se move – átomos, planetas, pensamentos. Apenas as nossas crenças apegam-se à inércia. Isso coloca também em quesito a visão leibniziana do mundo como uma ordem otimizada. Afinal, se até os vegetais se metamorfoseiam de forma inesperada, como poderíamos continuar a acreditar que a realidade segue um plano racional e perfeito? Ora, se já as estruturas sociais e identitárias se transformam, desafiando qualquer tentativa de fixação, também a possibilidade das couves se movimentarem lembra-nos que o que julgamos consistente pode escapar ao nosso controlo.
Rancière sugere que a comunidade não é algo estático, não se estabelece de forma definitiva, mas está em permanente construção, dependendo do dissenso, das diferentes vozes que se fazem ouvir e das formas de organização que emergem em cada contexto.
Se as couves se movem, tal acontecimento, exige uma reorganização da comunidade em termos de inclusão e reconhecimento, e de formas de redistribuição de poder entre seres antes considerados passivos. Se até as couves se movem, somos obrigados a reconsiderar os limites do que entendemos como comunidade e pertença. A comunidade, neste sentido, tornar-se um projeto aberto, um espaço em constante renegociação, onde cada novo elemento introduzido obriga a redefinir as suas fronteiras e significados. As couves, ao adquirirem mobilidade, são um desafio radical à ideia de um mundo ordenado e hierarquizado, forçando-nos a aceitar que a inclusão e a organização social nunca estão concluídas, mas devem ser continuamente repensadas.
Esta perspetiva levanta questões ontológicas profundas sobre a natureza do ser e da realidade. Se existem múltiplos universos com diferentes versões de entidades e fenómenos, como definimos a existência de algo? Por isso, aceitar a mobilidade das couves num universo paralelo, implica aceitar que a sua essência não é fixa, mas sim contingente às leis e condições desse universo específico. Isto desafia a visão da existência de essências imutáveis e sugere que o ser é fluido, dependente do contexto universal em que se manifesta.
Se concebermos uma linha do tempo onde, em determinado ponto, as couves adquiriram a capacidade de se mover, enquanto noutra linha do tempo permaneceram imóveis. Esta multiplicidade temporal reforça a noção de que a realidade não é singular, mas composta por uma teia de possibilidades coexistentes.
Integrar a ideia de mobilidade das couves, embora absurda à primeira vista, convida-nos a questionar as fronteiras da realidade, a estabilidade das nossas crenças e os limites daquilo que julgamos possível.
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